segunda-feira, 28 de abril de 2008

Rilke


No mais íntimo, onde jamais alguém entrou; uma porta se abrira, estavas junto aos alambiques no clarão das chamas. Lá, para onde, desconfiado, nunca levastes ninguém, permanecestes sentado discernindo mudanças. E porque estava no teu sangue o desejo de se apresentar, não o de formar ou dizer, tomastes a decisão terrível de, sozinho, aumentar de tal forma aquele mínimo que tu mesmo de início só divisavas através de vidros, que se apresentasse imenso diante de milhares, de todos . E teu teatro nasceu. Não podias aguardar que essa vida quase sem dimensões, comprimida em gotas ao peso dos séculos, fosse encontrada pelas outras artes, tornada aos poucos visível para indivíduos para indivíduos que paulatinamente comungam no reconhecimento, e por fim querem ver os sublimes rumores confirmados na parábola da cena desenrolada diante de seus olhos. Não podias esperar por isso, estavas ali, tinhas de executar o quase imensurável: um sentimento que se eleva meio grau, o ângulo do fiel da balança de uma vontade acrescida de um quase-nada, esse ângulo que conferias bem de perto, a leve turvação numa gota de desejo, a sombra de alteração na cor de um átomo de confiança: era isso que precisavas constatar e reter; pois nesses acontecimentos estava agora a vida, a nossa vida, que deslisara para o nosso interior , e se recolhera ali, tão no fundo que mal podiam tecer em torno dela vagas suposições.



Texto: Rainer Maria Rilke
Livro: Os cadernos de Malte Lauids Brigge
Foto: Ukitakumuki - Deviantart

domingo, 27 de abril de 2008

Não!


- Venha me visitar..

- Não posso , estou muito ocupado ultimamente

- Estou pedindo, venha me visitar. Adoraria se você viesse.

- Gostaria também, mas não posso. Vai ficar muito triste comigo?

- Triste não. Não espero sempre um sim. Mas vou sentir sua falta, assim como sinto outras faltas, até de coisas que não importam.

- Nossa, precisa ficar profunda por causa disso?

- Por que sempre evitar o profundo? Estou profundamente precisando da sua visita.

- Sinto muito!

- Eu não! Sinto pouco agora.

foto: Deviantart- Bingevil

sábado, 26 de abril de 2008

Nem foi


Nem foi por pensar em você que resolvi escrever. Foi mais por pensar em mim mesmo. Fazia tempo que não pensava que eu tenho história, que faço parte de um enredo, muitas vezes fugidio, muitas vezes cheios de lágrimas. Nem foi por pensar em você que liguei o computador a essa hora, não! Foi por ter saudade das letras, por ter saudade de ter palavras a dizer. Ando com poucas e isso é péssimo sinal. É sinal de que ando me perdendo de mim mesma. Isso é sinal de que estão conseguindo me domesticar e em breve estarei boazinha, sem uma palavra sequer.
Sinto falta das minhas curvas, das minhas idas e vindas. Sinto falta das letras que se juntavam sozinhas. Sinto falta de chuva de palavras que vinha, sem interrupção. Não tinha como deter. Hoje: estiagem. Não chove. E saio agora da cama, para fazer a dança da chuva e tentar de qualquer maneira trazer de volta enredos para histórias que continuo vendo. Tentar de qualquer maneira achar lugar para os personagens que continuo conhecendo. E divido aqui com você essa inquietação de não ser capaz.
Encontrei uma moça hoje que pouco me conhece, mas que me perguntou se ando bem. E eu respondi que por enquanto minhas pernas estão intactas. Ela riu, queria outra resposta, é claro. E achei bondoso o interesse dela, mas não tive como responder. O que se responde a uma pergunta dessas no elevador? Ando bem? Sim, uma perna após a outra.
E foi num dia de chuva que as palavras se foram. Choveu, elas foram embora, eu quase vi algumas escapando. Olhei de longe e vi elas indo em linhas, as mesmas linhas que costumavam me fazer companhia. Elas foram no dia de chuva. Não digo que me deixaram. Não, seguiram um caminho de palavras, e eu talvez tenha feito a escolha errada. Agora não é hora de desistir, estou mesmo ensaiando para pegar um a uma de volta. Mas sabe, tudo tem um preço, um preço que dói no peito e que até pode matar. Escolhe-se pagar. Eu quero minhas palavras de volta.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Mais quantos dias brancos?


- São só mais alguns dias, segure a onda!

- Não aguento mais, meus olhos mal abrem. Não penso em nada. Nunca vivi assim, de branco.

- Aproveite, descanse, assista filmes, leia, cuide um pouco de você.

- Mas para cuidar de mim, preciso de cores, em branco não dá.

- Querida, não posso fazer nada pra te ajudar, você tem que aceitar o branco enquanto ele durar.

- Eu só tenho raiva, inclusive de você, que vive me consolando, me dizendo para aceitar o que me acontece. Vá à merda, você e seus conselhos. Não quero descansar, não quero viver de branco, nem fui feita para tanta paz.

- Entendo sua rebeldia. Mas o melhor pra você agora é mesmo cuidar da sua saúde, não importa se é branco.

- Te odeio com todas as cores.

domingo, 20 de abril de 2008

É tudo cena dela


Estou participando de um ensaio. Fui aceita para o papel. Vários testes doloridos, várias noites de desespero pensando no que poderia acontecer. Muito desacreditar e eu fui aceita para o papel. A personagem é toda minha. Já fiz isso antes, não vou negar. Mas esse é sem dúvida o maior papel da minha vida. È daqueles que mudam o ruma da carreira e da vida também. Por isso estou tão preocupada em me preparar melhor, em ensaiar direitinho, fazer tudo certo para que o figurino sempre caia bem. Tenho feito um esforço imenso para decorar minhas falas. Tem sido talvez a parte mais difícil. Não! Tem também a postura corporal, isso está difícil, já que sou uma pessoa desleixada. Manter a coluna ereta está me demandando um esforço sobre humano.
Disseram-me que tenho me saído muito bem, que esse talvez seja o papel definitivo da minha vida. Tenho acreditado. Tenho até sonhado com as falas. Esses dias mesmo me peguei repetindo parte do diálogo enquanto dormia. Estou empenhada.
Mas estou sofrendo de um problema sério de memória, já disse isso ao médico. Não sei se ele não entendeu ou se não pode fazer nada sobre o assunto. Devo continuar o meu tratamento independente da minha memória. Então, esforço redobrado.
Dia desses fui para o ensaio, estava vestida, no palco, em frente ao ator principal, quando esqueci completamente a minha fala. Fala essa que eu tinha ensaiado tantas vezes. Simplesmente esqueci. Olhei para cara dele e nada me vinha nada. Ele ficou me olhando, todos me olhando, eu pedi desculpas, desci do palco e sai pra rua, chorando. Isso tem acontecido com freqüência. E eu continuo carregando bolsas e lenços e óculos para disfarçar o choro.
Mas alguma coisa me dizia que seria assim: no meu papel principal, alguma coisa iria me acontecer. Eu iria ter um bloqueio, um não-mental que iria me impedir de mostrar que posso fazer muito bem o papel da minha vida. De alguma maneira eu sabia.
Sempre sonhei acordada mesmo que as cenas seriam fluidas, que os diálogos correriam fácil, que meu corpo se movimentaria conforme o do outro. Sempre sonhei isso acontecendo. E batalhei para isso. Agora, estou aqui, meio deitada, meio de pé, com as falas na boca, ou metade delas.. pensando no que fazer. Negar o papel ou continuar ensaiando?

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Viagem da alegria




Eu vesti a roupa da alegria e disse a todos(?) que demoraria Lavei umas louças, arrumei uns panos e fui. Parti para o perigo de roupa alegre. Cheia de cores, acendi um cigarro e previ que a viagem seria longa. Sentei no banco da frente, para ver tudo de mais perto. Precisava colocar o nariz nessa aventura, afinal não é todos os dias que saio vestida de alegria. Uma música tocava nos meus ouvidos. Uma não, várias. Era como se uma rádio interna fosse ser minha trilha sonora naquela viagem. O banco era confortável, deitei a cabeça para trás e olhei minhas meias a sapatos listrados. Talvez em algum ponto do caminho eu fosse confundida com uma palhaça, mas que importa? Estava vestida de alegria. Alegria não se importa com risadas alheias. Que riam, de alegria, de graça, de felicidade. Na primeira parada, fique indecisa: sorrir ou gargalhar quando um moço lindo me perguntou se podia sentar-se ao meu lado? Só-ri e disse que não, essa viagem, vestida de alegria eu deveria fazer sozinha. Que achasse outro banco, afinal alegria não é bondade. Ele foi. Continuei ao balanço das músicas internas. Uma viagem ao menos. Uma viagem de alegria. Não deu fome na próxima parada, quando um carrinho passou vendendo “de comer”. Mas deu sede. Pedi um pouco de cada bebida. Alegria é assim, divertida. Bebi um pouco de cada coisa e fiz uma pilha com os copinhos de plásticos. Eles não são politicamente corretos, mas eu os adoro. Eles significam a alegria do descompromisso. Tomar e jogar fora. Deu frio e eu coloquei o casaco da alegria, que estava na mala da alegria que estava aos meus pés. De casaco da alegria acho que chamei ainda mais a atenção. Olhavam para mim. Eu fiquei feliz, me levantei do meu banco e gritei a todos: vamos todos sorrir e conversar e ser alegres juntos nessa viagem. Vaia, foi o que ganhei. Foda-se. Estou vestida de alegria. Deitei a cabeça pra trás de novo e fiquei de olho na paisagem. As árvores me diziam que brotam todos os dias folhas novas em gargalhadas silenciosas. A terra me disse que pouco se dá com os pisos, todos os dias muda de cor em ímpetos felizes, o vento soprando pequenas piadas para que eu risse. Próxima parada, eu quero essa viagem rápida para ver se ela é mesmo verdade. Uma velhinha subiu e perguntou se podia sentar ao meu lado e mais uma vez, feliz, eu disse que não. Não tem espaço para mais ninguém aqui nesse banco minha senhora, só eu e a viagem da alegria, sinto muito. Tinha um livro na mochila da alegria, mas pra que palavras? Me digam, para que mais palavras? É preciso viver sem elas às vezes. É preciso estar solto, sem enredos. Os enredos fecham a vida em começo, meio e fim. Eu preciso apenas recomeçar, sem enredo. Roupa coloridas, música interna e muitas risadas, não sei se vocês me entendem. Minha alegria era tanta que peguei no sono. Assim, do nada. E te conto, é tão difícil para eu dormir. Mas peguei num sono bom, calmo. Agora não sei contar se o sonho foi sonho ou pesadelo. Eu sonhei que estava muito doente. Doente de tristeza. Sonhei que minha viagem era parada. Que minhas árvores estavam secas e meu solo rachado. Sonhei que o vento nem batia e que minha roupa era preta. Sonhei que estava sozinha sem querer estar sozinha. Não era opção. Acordei assustada. Indecisa. Cheguei a um ponto da vida em que é preciso decidir a viagem da alegria ou o sonho do real. Mas me deixei acordar devagar, como ando fazendo as coisas. O cobrador do trem veio falar comigo, numa língua que entendo pouco. Mas entendi que estava me cobrando. Eu deveria pagar. Ou descer. Olhei minha bolsa. Nada de dinheiro. Acabou antes da viagem começar. Sou sempre assim, despreparada, desorganizada. Disse que então desceria na próxima estação. Perguntei:

- Qual a próxima estação.

Ele respondeu em inglês:

- Joy Station.

Good enough, pensei em silêncio.



Foto: Signz_Droidz Deviantart

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Mi piace e non mi piace

Tá bom, gosto de bolo de abacaxi, dias chuvosos, cabelos compridos, homens inteligentes, mar, areia, animais, um bom vinho, a música certa, o abat jour aceso, um amigo por perto, um outro ao longe, uma certa dose de sedativo quando necessário, um belo e longo livro, sapatos roxos, bolsas vermelhas, quase nenhuma maquiagem. Amo jeans, camiseta Hering, um bom papo, uma noite longa, boas gargalhadas. Faço fumaça as vezes, mas só às vezes. Gosto de quem gosta de mim e também de quem não gosta. Sou louca pelos meus avós, apaixonada pelo meu sobrinho e meus irmãos às vezes são meu orgulho. Adoro dormir tarde e não ter hora para acordar, fico feliz ao ouvir algo sincero, mesmo que pesado, sorrio à honestidade, mesmo que dirigida a mim. Adoro perfume europeu, adoro pesto italiano, queijo francês, yougurte inglês, pashmina indiana, cerveja holandesa, MP3 japonês.
Odeio celular, mentira, despertador, pink, sorrisos à toa, palavras agradáveis na hora errada. Não suporto carne de porco, pouco gosto de carne. Odeio encontrar pessoas todos os dias no elevador, odeio ser obrigada à... Não reajo bem à despedidas e a dor. Lido muito mal com finais. Mas queria que minha vida se transformasse agora no final da séria Sex and the City.. e todos vocês podem rir de mim. Eu queria achar o Big em Paris e usar todos aqueles vestidos. Assim seria mais fácil. Nem que fosse por um capítulo.

terça-feira, 15 de abril de 2008

O que acham ?

"Você fez muito mal ", ele me disse, com uma expressão de diretor de escola. Eu pensei bem, sentada no canto que estava, e achei mesmo que tinha feito muito mal. Mas há quanto tempo venho fazendo mal? No meio de tudo isso, de tentar fazer bem, de sempre me dar conta de que não consegui, acabei me perdendo. Me perdi nas minhas palavras, me perdi nas palavras dos outros e ando pensando em cancelar espaços para não ocupar com o que não vale a pena.
"Mas não foi tão mal assim", ele disse, agora com cara de bedel.
Não interessa mais o que dizem. Vou acender um incenso e pensar no bem e mal que fiz, para pode agir melhor daqui pra frente. Vocês andam percebendo que esse blog anda perdendo o sentido? Estou pensando em cancelá-lo e manter só o esse papo. O que acham??

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Quase uma decisão fatal

- O medo não era infundado, era?
- Puxa, pior que não. Me dei mal. Erraram mesmo a mão e quase passei dessa pra uma melhor.
- Mas você pressentiu isso?
- Na verdade sempre considero as possibilidades, diria. Pressentir não! Mas aquele dia eu considerei essa possibilidade e estava certa.
- Por isso sumiu assim,por tanto tempo?
- Sim, e não posso dizer que estou inteiramente de volta. Ainda estou um pouco debilitada e na verdade, meio sem coragem de recomeçar. Fraca, fraca, afinal quase cruzei a barreira do conhecido.
- Imagino. Mas estás bem?
- Sim, o baque foi grande, mais eu sou forte e estou bem sim, melhorando todo dia.
- Algum medo novo?
- Para ser honesta vários. Quanto mais me aproximo deles, mais medo tenho. Mas o mais novo medo é o de DECISÕES FATAIS por enquanto.
- A-ha, essa é boa. É disso que seu blog é feito.
- Não agora. Por isso estou quietinha. Nada fatal. Amo muita gente fora daqui e aqui pra atitudes fatais. Sem fatalidades caros amigos, não me esqueçam.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Tá com medo?

- Você está com medo?
- Ô! Varada de medo!
- Mas você acha que pode acontecer algo de ruim?
- Lógico que sim, sempre pode.
- Mas o que por exemplo?
- Ué, algo dar errado, ele errar a mão e eu passar dessa pra uma que nem conheço.

- É, agora fiquei com medo também!

DECISÃO FATAL:
Sentir medo. Mas me lembrei que um dia desses ao dar uma boa notícia minha à um grande amigo, ele ficou muito feliz e me disse:
- Camilla, as coisas acontecem. Não se esqueça disso. As coisas sempre acontecem, a gente querendo ou não!
Pois é, aceitando a lógica da vida, e disse aceitando e não entendendo, o negócio é mesmo lidar com o medo como um amigo que me protege. Porque se as coisas boas acontecem, as ruins também podem acontecer e não há muito o que fazer sobre isso. Mas não fiquem com medo. Pelo que ouvi dizer acontecem mais coisas boas do que ruins. Será verdade ou mentira da fé?