quarta-feira, 28 de maio de 2008

not today


Its time not to learn... accepted. Its time to... What is the time now? Uou, I´m late to go... but i´ll stay latter playing sax here with u.. it well could be sex hã? no, dont u worry dudde, i totally understand this thing about no sex for now.. if u really wanna know i´m kind of feeling the same.. so.. lets play sax and see what happens latter. could order a pizza, chinese maybe.. or just smoke and sleep.. don´t know.. today I couldnt write a word.. shit.. couldn´t, just couldnt, can u fucking believe? I know.. sad.. it has been days, but what do u want me to do.. i seat my ass in front of the pc and i try my ass out as well.... just cant. That is it. That´s all I had to say. seeya

domingo, 25 de maio de 2008

De partida


-Então, quem foi que perdeu a capacidade de amar?

- Sim, confesso que fui eu. Não me culpe mais. Estou partindo.

- Vá, não vou chorar. Quero ver você partir.

E assim saí da casa dele. Da casa que tem um pedaço de nós em cada canto, mas que hoje é dele. Assim saí pela rua escura, onde um dia me sugeriram um encontro. Saí definitiva, com pensamentos tão claros que geométricos, tão definidos que redondos. Esbocei um sorriso quando olhei para trás e o vi parado na porta, ele me devolveu um olhar rancoroso de quem não perdoa.

Resolvi voltar ao hotel andando pela rua da praia. Ouvindo o mar e pensando em honestidade. Como dói, às vezes. A noite estava quente e não resisti quando vi e ouvi o barulho das ondas, resolvi me despir, deixar as roupas na areia e nadar. Não importa que fosse noite. O mar a noite dá mais medo mas e daí? Eu vinha sentindo tanto medo até então! Entrei e sentir aquela água gelada no corpo foi tão bom quanto abri uma janela ou destrancar uma porta. Nadei, nadei, nadei. Quando me dei conta estava longe, muito longe da praia. Havia realmente chegado ao fundo. Bati os pés imaginando um mundo marítimo todo diferente abaixo de mim. Foi quando lá ao longe vi um barco pequeno e parecia estar vindo em minha direção. Mas a imensidão do mar confunde a visão. E o barco era pequeno. Nadei ainda mais pro fundo, me distanciando cada vez mais da praia. Já estava muito longe mesmo, voltar dali seria difícil! Porque não me aventurar ainda no mais profundo do mar à noite? O risco estava assumido. Minhas pernas se movimentavam comemorando a resistência da água. Era como se uma obrigação estivesse sendo cumprida, vencer uma resistência. Meus braços nadavam rápido, sem dor, com vontade de chegar.

Quando olhei o barco estava mais perto. Parei de nadar e levantei os dois braços. Não quis arriscar ser pega por um barco naquele escuro. Fiquei mais alguns minutos com os braços para cima para que me vissem. Foi quando eu o vi! O dono do barco, que estava já tão perto que pude vê-lo, ele fez sinal de que também já tinha me visto. E ai, não sei dizer porque, eu comecei a nadar em direção ao barco, como se ele estivesse me esperando. Ele acenava. Ele quem? Oras, o dono do barco. A escuridão do mar me deu um pouco de tontura. Era só olhar para aquele barquinho se aproximando que me sentia melhor. Mais alguns minutos e ele estava ali ao meu lado. Estendeu o braço e perguntou se eu precisava de ajuda.

- Sim, nadei longe demais e não dá pra voltar daqui.

Ele jogou uma bóia, me apoiei, respirei melhor e esbocei um sorriso molhado pela ajuda inusitada. Lógico, eu no meio do mar, àquela hora da noite, depois de ter saído da casa dele, nado demais, perco o controle, e um barco vem me salvar. Tinha que sorrir. Ele sorriu também e ajudou a me içar para dentro do barco. Já lá dentro, olhei em volta. Era uma barco simples.

- Você e pescador?

- E você é nadadora?

- Sim, nadadora que espera ser pescada.

- E eu pescador que espera pescar nadadoras como você.

Demos risada. Ele me ofereceu um cobertor e me sugeriu que fosse tirar aquelas roupas molhadas. Desci num lugar que parecia o quartinho dele, tirei o jeans e fique embrulhada no cobertor só de camiseta e calcinha. Subi de novo. E ele me esperava com um copo na mão.

- Toma um gole disso, vai te esquentar o corpo.

Obedeci! Estava gelada. Quase tremendo de frio.

- Mas afinal, o que fazias nadando por essas bandas a essa hora?

- Ah, estava caminhando na rua da praia, não resisti ao mar e decidi nadar, só que vim longe demais.

- Pois é, ainda bem que estava aqui perto, caso contrário você poderia ter problemas em alto mar numa hora dessas.

- Eu sei, ok, você me salvou e é meu herói. O que quer agora? Fazer amor comigo.

- Não seria uma má idéia.

Rimos juntos. Parece que nos conhecíamos há tempos. Eu olhava para ele e meu coração, uma pedra que sempre foi, dizia a palavra confiança. E eu me deixei acreditar. Aquele homem me era familiar e eu podia acreditar nele, já estava acreditando.

- Está com fome?

- Um pouco.

- Pois tem peixe aqui, quer?

Aceitei na hora e comemos juntos, embrulhados num cobertor um pedaço de peixe gostoso, com um copo de cognaque cada um. Ele me contou há quantos dias estava no mar, eu contei pra ele que acabara de sair da casa do meu ex marido. Assim, naturalmente falamos de nós mesmos. Confiantes. Ele também me conhecia. Tinha essa impressão também. Sentamos bem próximos um do outro, talvez para nos esquentarmos, talvez para ficarmos próximos mesmo. Ele passou o braço em volta do meu corpo e eu sentia o calor dele e dos dois copos de cognaque que havia tomado. Estava me sentindo bem mas ainda pensando nos cds e nos livros que deixara para trás. Ele tentou um beijo. Eu retrai.

- Como você chama?

- José e você?-

- Lucia.

- Lúcia, vamos nos beijar?

Que aproximação tão ingênua. “vamos nos beijar”, mas eu achei lindo. Era isso que eu queria ouvir, queria compartilhar a vontade de um beijo. Queria que ele pedisse, que segurasse minha mão como estava segurando. Era isso. Ele me beijou com boca de cognaque, com cheiro de peixe, cabelos suados, blusa rasgada e botas de pescador. Nos beijamos mais e mais. Enquanto ele me beijava e o barco rumava no rumo que ia antes eu pensava que era aquilo mesmo que eu estava esperando. Uma delícia de beijo e nem precisou ser roubado. Mais cognaque e mais beijos. Mas posso dizer com segurança que o beijaria a noite inteira com ou sem nenhuma bebida. Ele segurava minha mão e me olhava bem nos olhos.

- Já te conheço, não conheço.

- Não sei, tenho essa mesma sensação. Tive assim que avistei seu barco de longe. Mas não sei.

- Não importa, nos conhecemos agora.

Voltamos a nos beijar e economizar palavras. Tudo estava tão lindo. A lua perfeita, o frio era desculpa e tanto para os abraços gostosos que estávamos trocando.

- O frio está apertando, quer ir para minha cama.

Eu gelei, de medo e não de frio. Mas eu queria. Como queria. Queria ir para a cama daquele homem que nunca tinha visto antes mas que tinha a sensação de ter sido mandando pra mim, no meio do mar.

- Vamos.

Ele pegou na minha mão e descemos uma escadinha estreita e chegamos num compartimento que tinha apenas uma cama, algo que parecia um banheiro e só. Ele ajeitou os lençóis e me deitou, e cobriu. Fechou a porta do compartimento e veio pra debaixo das cobertas comigo. Deitou e me abraçou. Disse coisas ao meu ouvido. Que eu era linda, mesmo perdida em alto mar àquela hora da noite.Que meu cheiro era bom, mesmo uma mistura de peixe, sal e cognaque, disse que minha boca era irresistível e que queria ficar abraçado ali comigo para todo o oceano. Eu não sabia como responder a tamanho romantismo. Não estava acostumada com isso. Mas com ele, isso era natural. Abracei-o com força e disse que queria ficar com ele ali também, por quanto tempo ele quisesse. E foi assim, em meio a declarações simples e honestas de um amor iniciante que fizemos amor. Durou horas. Brincamos de nos amar. Amamos de brincar. Ele me teve e eu o tive como nunca antes. Estava navegando por mares nunca antes navegados, literalmente. E a cada vez que fazíamos amor, ele me abraçava e me dizia o quanto eu era linda e o quanto ele estava feliz em me ter ali. Foi amor de amor. Fizemos amor de verdade. Calmo, singelo, rápido, veloz também. Amor que permite todas as formas que o espaço permitia. Nos amamos e eu chorei. Não agüentei, chorei. Ele ficou chocado ao ver minhas lágrimas.

- Me diga que são lágrimas de tesão.

- Não, são lágrimas de encontro. Lágrimas de quem procurava a si mesmo e parece ter achado.

- Você se achou comigo?

- Parece que sim.

- Eu também sinto que me achei com você. E olha que sai hoje achando que a pescaria seria ruim. Rimos mais uma vez.

- Fique tranqüila, você não precisa chorar, agora nos achamos e estamos juntos. Sem motivos para lágrimas.

E ele enxugava cada uma que caia dos meus olhos. E assim, dormimos. Dormimos profundamente, eu sonhei, ele me abraçou a noite inteira e posso dizer com segurança que foi a primeira noite na minha vida que gostei de dormir abraçada. A noite foi longa.Longa o suficiente pra descansar de tanto nadar, de novas descobertas de amor. Acordei ele não estava ao meu lado. Um medo devagar. Subi os degraus e lá estava ele, com um vazinho e um rosa artificial,um pedaço de chocolate e um bule café. Tudo arrumado em cima de uma caixa que servia de mesa.

- Desculpa, mas aqui não tem café da manha ou nada disso. Você se importa de comer chocolate com café.

- Lógico que não. Será uma delícia.

E comemos juntos nos beijando, como se fosse um café da manha continental. Ele matava minha fome e eu parecia matar a dele. Nos abraçamos, comemos mais chocolates, ele colocava o café na minha boca e a sensação que eu tinha era de que não conseguiríamos desgrudar mais, nunca mais. Logo que o chocolate acabou voltamos para cama e fizemos amor de dia. Coisa que há tempos não fazia. De dia ele era ainda mais bonito, mais sexy e eu estava desarrumada, começando a ficar tímida. Mas aí ouvia:- Como você é linda. Pesquei a sereia mais linda de todos os mares. E eu me sentia mesmo uma sereia nos braços dele. Passamos o dia ali, naquela cama minúscula misturando nossos corpos porque nossas almas já haviam sido misturadas em algum lugar no fundo do oceano.


Mas o dia estava acabando,escurecendo de novo. Estava chegando a hora de falarmos de nossas vidas. Ele perguntou onde eu morava. Eu disse que ali mesmo,na cidade, mas que no momento estava sem casa, já que deixara a casa para o meu ex. Ele disse que morava ali também , sozinho,numa casa cheia de verde e cheia de espaço. Carinhosamente me chamou para passar uns dias com ele. E tudo o que eu queria era ficar grudada naquele homem por uma eternidade. Sem vergonha ou receio disse que sim. Mas disse que precisava pegar ainda umas coisas na casa do meu ex. Uma mentiririnha. As coisas já estavam na casa de um outro amigo. Pois ele foi pra terra firme. Ficou no barco e eu disse que voltava em meia hora. Ele segurou minhas mãos como se eu não fosse voltar.


Corri, tomei um táxi e parei na casa do homem com quem havia casado, montado uma casa e vivido uma vida. Toquei a campanhia, ele atendeu com cara de sono e eu fui curta: - Só vim te dizer que não fui eu quem perdeu a capacidade de amar. Você sempre diz isso, mas perdemos a capacidade de nos amarmos e é só. E voltei para o cais. Onde meu amor me esperava.






Foto: Satanic 57 - diviantart

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Parada II


Entrei no táxi. Com a roupa de vitrine que estava usando. Cheguei a rir sozinha. Não tinha como ficar mais nem um minuto ali, parada. “Há muito o que fazer antes de parar de novo”, pensei. E no mesmo instante senti saudade e dó dela, que ficou lá parada. Corri até onde vi um táxi. Entrei e Pedi para que me levasse ao circo. Ele me perguntou qual. Eu disse a qualquer um que ele conhecesse. Em dez minutos estávamos no circo. Foi só quando ele parou e disse
- Vinte reais - que me dei conta de a roupa da vitrine não incluia bolsa e nos bolsos não havia dinheiro algum. Olhei para ele com cara de desesperada.
- Vai me dizer que a mocinha não tem dinheiro?
- Obrigado pela mocinha, mas não tenho mesmo não. Esqueci disso quando pedi pro senhor me trazer.
- E o que quer que eu faça agora? Você acha que estou podendo fazer corrida de graça?
- O senhor me desculpa.
- Desculpa nada, vai arrumar um jeito de me pagar.
- O senhor desce comigo então que tem um amigo que trabalha nesse circo e ele vai pagar o senhor.
- Mas você nem sabia em que circo queria vir. Como tem um amigo aqui?
- Olha só, o senhor não tem escolha, ou desce acreditando em mim ou vai embora sem o dinheiro.
- Ok.
Eu não tinha menor idéia de como iria me livrar dele. A verdade era que eu não conhecia ninguém no circo e não tinha um tostão comigo. Sair correndo era uma boa opção. Seria a segunda corrida da noite, mas e se ele tivesse armado? Imagina só sair da vitrine, pegar um táxi, ir pra o circo e morrer com um tiro nas costas? Muito cinema pro meu estilo. Esperei que ele fechasse o carro, e fomos andando, lado a lado com uma pequena multidão para comprar os ingressos. Quando chegamos à bilheteria o taxista olhou bem pra mim e perguntou:
- Não vai mandar chamar seu amigo.
- Moço, é o seguinte, meu amigo trabalha nos bastidores, não vai poder sair agora, vamos ter entrar e aí sim eu procuro por ele.
- Quer dizer que vou ter que pagar pela entrada do circo também?
- Infelizmente. E eu sinto muito pelo transtorno que estou lhe causando. A expressão do homem era realmente de ódio. Ele deveria estar se achando um idiota. Entramos e quase pedi para ele comprar uma pipoca de tão forte que estava o cheiro. Mas minha cara de pau tem limites. Sentamos bem perto do picadeiro, pura sorte! Eu estava me sentindo feliz, podia me ver sorrindo. Estava leve, com vontade de me divertir, de ver as pessoas se divertindo de ser livre, de respirar longo. Olhei para o taxista e reparei que, no fundo ele também estava um tanto encantado com todo aquele barulho do circo. Uma voz anunciava:
- O maior espetáculo da Terra vai começar em alguns minutos, senhoras e senhores. Preparem-se. O taxista, que parecia até então ter esquecido do que eu aprontara me perguntou:
- Não vai procurar seu amigo?
- Meu senhor, agora não posso. Só quando acabar o espetáculo, concorda? Ele já estava perdendo a paciência e com certeza a esperança de receber também.
- Menina, eu vou ter que assistir o espetáculo todo, perder todo esse tempo que deveria estar trabalhando para receber uma corrida de vinte reais?
-O senhor poderia ter deixado o taxímetro rodando, pagaria o senhor por tudo.
- Esse seu amigo do circo deve ganhar bem mesmo, hã? Percebi uma pontadinha de bom humor no pobre homem e disse:
- Mas já que o senhor está aqui, porque não se diverte. Depois lhe pago.
- É, se não tem outro jeito. Você quer uma pipoca? Não acreditei que tão rapidamente ele se entregasse assim à gentileza.
- Sim, obrigado, estava sem jeito de pedir. Ele foi ao pipoqueiro e voltou com pipoca para ele e para mim. Sentou ao meu lado e apresentação começou. A primeira atração foi o malabarista. Cheio de bolas e garrafas mostrava que a Lei da gravidade é mesmo nada para quem quer ser atração. Lindo. O taxista comia a pipoca com os olhos grudados nas garrafas que subiam e desciam. Seus olhos acompanhavam o malabarismo do homem. Se eu estivesse esperando um momento para fugir, aquele seria o certo. Mas não era isso. Estava me divertindo muito. E a pipoca estava fresquinha.
Quando a apresentação do malabarista acabou o taxista virou os olhos para mim e perguntou se eu não podia ir procurar meu amigo agora. Mas foi bem nessa hora que o Palhaço Pingolim entrou no picadeiro. Ah, que delícia são os palhaços. O homem olhou para frente e esqueceu de tudo. Rimos à vontade, risadas grandes, gordas, rimos como crianças, rimos, como só quem assiste um palhaço pode rir. Suspensório, chapéu colorido, nariz de palhaço, com direito à calças caindo, nariz espirrando água nas crianças da platéia e tudo mais. O taxista olhou para mim e sorriu, como me agradecesse pela noite que estava tendo.
Cama elástica, acrobacia aérea, elefantes, globo da morte com 5 motos. Tudo, tudo a que se tem direito numa noite divertida no circo. A apresentação durou quase duas horas e nessas alturas o taxista já estava mais calmo e parecia se divertir ainda mais que eu. Eu estava muito alegre, uma alegria de quem saiu correndo da vitrine, uma alegria de quem só tem uma roupa no corpo, uma alegria de quem não tem bolsa ou bolsos. Uma alegria só minha, que nem a conta do táxi poderia me roubar. Uma alegria dessas que não se rouba. Não sou uma pessoa má e não gosto de ser desonesta com os outros, mas eu não tinha escolha, tinha que dar um jeito de fugir sem pagar pelo táxi, já que não tinha nenhum amigo no circo e não tinha previsão de fazer uma amizade que me pagasse tal conta assim tão rápido.
Quando vi que o homem estava com os olhos grudados nas motos, levantei e fui andando devagarzinho em direção à saída. Quando estava para sair, olhei para trás. Talvez consciência pesada, talvez pensando em voltar e pedir desculpas. Mas o que? Ele estava bem atrás de mim. Virei pra ele e disse: - O senhor me desculpa mesmo, não tenho amigo algum aqui que vai pagar a conta, não tenho dinheiro e queria muito vir ao circo. Mas até que o senhor se divertiu não foi? Quando vi a cara de ódio do homem não esperei pela resposta, saí correndo mais uma vez. Mais uma vez para uma noite que apenas começava.


Foto: Jaccuse - Deviantart

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Parada


“Um dia sem nada pra fazer é ótimo para fazer um milhão de coisas.” Ela me disse isso assim, despretensiosamente, sem querer dar lição de moral. Eu entendi. O que mais poderia fazer, ali ao seu lado, imóvel? Entender.
Naquele dia ela estava falando demais. Sobre tudo. Sobre a idade, como vinha se sentindo, como estava vendo as pessoas, como admirava o movimento do mundo à sua volta, sobre as roupas que andavam escolhendo para ela e tudo mais o que lhe vinha à cabeça.
E eu, sentada ao seu lado imóvel, o que mais poderia fazer? Ouvi a tudo, quietinha, assim concordando e quase pedindo para acabar logo. Mas eu tinha que respeitá-la, afinal ela era mais velha e estava há muito mais tempo ali do que eu podia imaginar.
Eu era novata no ramo. Tinha decidido parar de vez há alguns meses e aí surgiu essa oportunidade. Mais parada que isso impossível. Logo no primeiro dia me colocaram ao lado dela. Ela estava bonita, com um vestido preto, um cinto prateado, saltos altos e uma bolsa que deveria custar uma fortuna.
Assim que cheguei ao seu lado ela disse: “Novata hã? Vão te deixar com essas calças curtas ainda um tempo, depois começam a te colocar vestidos mais bonitos”. Entendi que ela sabia tudo do assunto, conhecia as pessoas do lugar e poderia me ajudar. Eu ainda estava insegura com a escolha. Afinal, ali, estaria parada mesmo. Agradeci a dica e fiquei lá com minha calça capri, blusa pink e uma rasteirinha. Minha roupa toda não somava o valor da bolsa que ela estava carregando.
A primeira noite foi horrível. Fecharam tudo. Cerraram os vidros, as persianas, foram todos embora e ficamos ali, só nos duas, vestidas daquela maneira e na mesma posição. Foi quando ela me disse que depois que todos vão embora a gente poderia se mexer. Mas pensei que ficaria parecendo filme se nos mexessemos. E fiquei na posição que tinham me colocado. Ela deitou, descansou, acho até que a ouvi roncando. Mas eu fiquei ali, hirta, dura, imóvel, como era a proposta. Estar verdadeiramente parada.
No dia seguinte, ela já estava desperta bem antes de tudo se abrir. Arrumou-se, reaprumou-se e ficou ali, na posição que deveria estar. Dava pra perceber que era uma profissional experiente. Eu estava marcando touca se não pedisse dicas.
- E ai? Não dormiu nada a noite agora vai ficar cansada o dia todo.
- É verdade, essa noite vou fazer como você.
- Ah, decidiu seguir a voz da experiência não é?
Dava para perceber na minha cara que não tinha experiência alguma, que estava insegura e morrendo de medo. Não chegara ali numa boa situação. Viera mais por falta de opção. Queria parar e não me deixavam, então parei profissionalmente. Parar era uma obrigação diária. E também porque ali eu não precisava pagar aluguel, ter carro, namorado, nada! Só estar bastava.
Ela me perguntou da minha família. Antes de responder, perguntei da dela. E acho que para me ajudar a quebrar o gelo ela respondeu.
- Ah, já esqueceram de mim há muito tempo. Ás vezes um sobrinho passa aqui na porta e se lembra de mim, mas nunca tentaram me levar de volta, então acabei ficando. Cada hora colocam alguém novo por aqui, acabo fazendo amizade e não me sinto sozinha.
- Mas e namorado, marido, você não tinha?
- Não! Mas às vezes colocam alguém masculino ai, no seu lugar, e ai eu trato de me divertir um pouquinho.
Fiquei imaginando a cena e comecei a achar que tinha cometido um erro muito grande ao aceitar essa tarefa. Imagina que cena louca ela se divertindo com alguém quando tudo fechava.
Quanto tempo será que me deixariam ali, naquele mesmo lugar? Quando será que trocariam minha roupa? Será que trocariam de dia, para quem passasse me ver nua? Estava começando a sentir medo de verdade. E já eram quase dez da manhã quando o movimento aumentou. Muitas pessoas paravam à nossa frente, apontavam pra nós, olhavam o preço anotado abaixo. Umas entravam, outras não. A coisa estava ficando real. Era aquilo. Eu passaria o dia sendo olhada, observada. Ela estava bem com aquilo. Cada vez que o movimento acalmava, ela conversava, perguntava algo de mim, da minha vida. Eu não estava com vontade de conversar, estava apavorada, mas não podia rejeitá-la. Era minha única companhia. Era a única pessoa que poderia me dizer o que fazer na hora em que o desespero batesse, e eu sabia que bateria.
Como disse, naquele dia ela falou muito. Muito mesmo. E enquanto eu ouvia, pensava. Pensava que um dia estaria como ela, esperando uma companhia nova chegar para contar-lhe sobre minha vida. Contaria com um ouvido imóvel para me dar um pouco de atenção. Sou rápida nas decisões. Decidi que não ficaria mais ali.
Olhei bem pra ela, sem me importar com as pessoas que passavam. Ela entendeu meu olhar e piscou. Senti que aprovava a minha decisão. Me mexi toda, cada pedaçinho do meu corpo e foi como mágica, voltei a normal, rindo e chorando ao mesmo tempo. Não era mais manequim. Sairia dali para parar em outro lugar. Mas sairia correndo. E para uma noite que estava apenas começando.
Foto: blackspiritual deviantart

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Uma foto, um peixe


Era só uma foto que eu tinha. Só. Uma foto apenas. Um sorriso estático, um abraço que não se mexia, um beijo do qual eu não podia sentir o calor. Não pude contar com a memória, que não bastava. Era apenas uma foto, parada. Servia para um porta-retratos, um durepox e colar na parede, ou colocá-la na carteira, dobrada, dividindo o amor ao meio para fazer caber. A foto era de um dia de sol. Um raro dia de sol. Estávamos de óculos, éramos felizes, estávamos tão perto. Mas depois só sobrou a foto. E apenas uma. Uma cena e mais nada. Não apelem pra minha memória, já disse que não posso contar com ela. Danos irreversíveis.


Sentei sozinha, de pernas cruzadas, em frente ao mar com a foto na mão. Na foto também estávamos sentados no chão. Estávamos tão à vontade. Nosso corpos tão juntos, estávamos grudados, os mais desavisados poderiam pensar que tinha photoshop ali. Mas não, grudávamos de vontade, grudávamos de urgência. Queria com ele as pizzas de domingo, os sorvetes de noites quentes, os vinhos das frias, a cama de noites nossas, os passeios de dias de sol, as compras para o nosso futuro, as discussões de quem ama mais. E acreditava em tudo isso. E uma dessas coisas que queria virou uma foto. Só essa que tinha em mãos naquela hora, em frente ao mar. A foto ficara pra mim, como um brinde pelos anos vividos. Um bônus de quem comportou-se mal. Uma imagem, uma cena pra lembrar. Mas eu não me lembro. Coisa da memória que já expliquei. Acho que justamente por não me lembrar, joguei a foto ao mar.


Um peixe, uma tal de nova espécie de peixe achou a foto. E gostou, estava sozinho nos últimos tempos e achou a foto romântica, apesar de já um pouco manchada. Resolveu fazer sua próxima travessia com a foto na boca. E lá seu foi o peixe azul com a nossa foto na boca. Cruzou mares, oceanos. Mostrou a foto para seus outros amigos peixes inteligentes ( é! já se produz desses) e foi feliz, como se tivesse ganho um prêmio por achar uma foto.


Até que chegou numa praia cheia de peixes como ele. E logo se apaixonou,o que não é de estranhar um peixe se apaixonar, é? Acho que não! Eu não estranho! Assim, já amando, resolveu largar a foto. Pensou em viver a sua hora de amor e não ficar carregando foto de amor dos outros. A foto foi parar na areia, toda manchada, mas por incrível que pareça - assim incrível como peixe se apaixonar- ainda visível.


Ele, o da foto, estava naquela praia, pensando triste na areia no que fazer com suas memórias. Sim, ele tem memórias, lembranças, e achou a foto. Mas ele não acredita que peixes se apaixonam então achou muito mágico aquela foto ter ido parar nas mãos dele assim. Quase jogou a foto de volta, como se fosse uma mágica ruim. Mas olhou para nosso sorriso e resolveu ficar com a foto. Sentou-se na areia, secou bem a foto estática e ficou ali, feliz com suas lembranças. Ele as tem.

domingo, 4 de maio de 2008

Foi


Ele nem disse adeus, nem tchau, nem to indo. Só foi. Melhor assim, despedidas são dores na hora errada. São dores que nos pegam de surpresa, mesmo quando sabidas com antencedência. De que adianta saber que a pessoa vai partir? Isso não nos prepara para nada. É o ver, enxergar as costas de alguém se distanciando que nos dá o verdadeiro sentido- sentir mesmo – da dor. Então assim ele foi, com seu casaco laranja, que não sei onde comprou. Assim como não sei onde comprou as roupas novas, os sapatos novos, onde fez o novo corte de cabelo. Isso não me causa nada. Também ando de roupas, cabelo e sapatos novos. É a vida andando. São os passos da dor nos levando pra frente, evitando a paralisia dos momentos difíceis.
Fiquei por alguns minutos olhando ele partir. Olhar o partir é uma obra de arte para quem consegue. É um dom de quem enfrenta e começa a superar. Não, espera, é mais: é esperança. Não da volta, mas do recomeço. Um vai, outro pode ou não vir, mas estou aqui.
Fiquei sentada no banco até ele virar um pontinho laranja distante, que já não me ouviria se eu gritasse. E eu não gritaria. Não sou do tipo que grita. Não sou do tipo que sai correndo. Aliás, quando corro é de mim mesma. E foi só quando já não podia vê-lo que decidi olhar para frente. A tarde estava chuvosa, nublada. Tardes assim são tristes, eu sei, mas eu gosto. Gosto do cinza, é um silêncio de alma que o sol nem sempre permite e era de silêncio que precisa me encher agora.
Não pensei mais nele, já era história, história contada e recontada, história vista e revista, tentada, acertada, errada e finalizada. Era, enfim, história. E história, escrevo eu. Escolho meus personagens e não tenho controle sobre eles, por isso as surpresas das despedidas.


Foto: ultraviolte - Deviantart