segunda-feira, 30 de junho de 2008

Festa em terra larga


Pude, todavia não fui. Achei que estavam abusando dos adornos. Os tapetes eram muito imponentes, os vasos muito artificiais, a luz muito intimidante. Luz é pra ser intimista e inspiração é pra ser levada a sério. Qualquer jardim tem verde e Fernando Pessoa já disse “condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?”. E citações como essas enfeitam o texto em que falta imaginação. Ou transborda imaginação.

Meu peito é sempre agitado, brinca ao som de músicas antigas. Brinca comigo, me faz escrava de movimentos. Parada, eu canso. Então não fui! Para em outro lugar fazer coisa melhor. Para sambar com meu corpo, sozinha à meia luz, para tirar os excessos e brincar no espaço vazio. E quem fala de espaços está preenchendo linhas. E quem tem medo de perder as palavras tem muitas delas e não sabe como usar. E quem tem medo de escrever está preso à alguma obrigação estética que não faz sentido algum.

E eu me soltei no meio da avenida, procurando olhar cada movimento à minha volta no meu ritmo. Olhando as coisas devagar, elas demoram mais a passar e o prazer pode demorar mais também. A pressa é inimiga do prazer, a pressa é inimiga do palácio.

Um palácio sem rei, sem rainha, sem príncipe. Um palácio anárquico de sons e luzes. Um palácio molhado de boas bebidas que geram discussões bobas. Bobas assim, como deve ser a vida. O hoje é bobo e é meu. Hoje só. Amanha é uma alegria que me faz ranger os dentes só de pensar. E eu nem canso.

Ando pelos jardins do palácio que tem a grama alta e ninguém quer cortar. Ando de pés descalços, pois perdi meu sapato na última bebedeira. Meus amigos tocavam violão, talvez Legião para acampamento, no jardim do palácio. E os serviçais fazem sexo livre nas poltronas antigas porque tudo saiu da ordem. Porque a ordem não é mais ordem, é bagunça. E bagunça da boa, que deixa memória para vários dias. E até um palhaço apareceu, pintado dele mesmo e rindo de todos nós. Rimos também, afinal a vida é feita para sorrir e não para apagar luzes nem fechar idéias.

Todas as idéias estão abertas, procurando razões ou contradições. Todas as idéias estão aí para serem mudadas ao sabor do vento que sopra no ouvido de cada um. Um ventinho assim, diria brisa, que bate leve e faz tudo ir à direção contrária. E daí se quem olha diz que não entende? Não posso mais que isso. E isso aqui tá muito bom. É tempo de festas anárquicas, de livros novos, de lançamentos de foguetes, de sexo livre e de ordem invertida. Uma meia de cada cor e eu inteira de paz. Vestida de mim mesma numa festa à fantasia no jardim do palácio de terra larga.

Até uns loucos apareceram nos chamando de loucos. Rimos muito. Afinal, quem não é louco está com a porta fechada. Colorida a porta, azul ou vermelha, com cadeado. Mas combinamos, todos da festa do palácio, chutarmos a porta até ela abrir. E vamos chutar, mais tarde quando a bebedeira passar. Ou chutamos agora? Um balé de chutes libertadores, de gritos de horror frente ao triste. Um protesto contra o cinza. Isso! No jardim do palácio de terra larga, faremos um protesto contra o cinza. E quem pode nos julgar? Hã?

domingo, 29 de junho de 2008


Cansei.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Sonho Verdade


O sonho e a verdade. Imagino um quarto branco, com duas paredes escritas à carvão. Numa: o sonho. Noutra: a verdade. E eu fico horas sentada, fitando o branco e os riscos de carvão. Como quem aprendeu a ler com aquelas letras. O encanto de saber que letras juntas formam palavras, que formam idéias, que formam conceitos, que formam dúvidas. Pois desde sempre foi me dada a escolha e portanto a dúvida. Desde óvulo foi me dada escolha de ser fecundado ou não. Desde sempre o humano de que fui feita me veio com uma bandeja de escolhas. O sonho e a verdade são só as palavras que aprendi agora, talvez as primeiras. E sentada no chão do quarto branco ainda acredito que devo escolher.
O meu corpo se movimenta na ansiedade de ser alguma coisa que sabe o que vê. O meu sangue corre, o oxigênio transporta, tudo na busca da palavra para escolher. E então, por alguns minutos, desejo não ser humana, desejo me desumanizar de alegria, de ser neutra para não ter que escolher. Mas os rabiscos foram feitos com força de mãos poderosas. O carvão entrou na porosidade da parede para dizer alguma coisa. Penetrou o branco para dar escolha. E por ser humana acabei ali, no quarto branco de riscos definitivos na parede. A morte também é escolha. Mas o meu humano não escolhe morrer para não ter que escolher. Porque morrer é escolha.
O neutro não é escolha. O neutro é preso dentro de si e em si, basta! O neutro não se movimenta. O neutro não escolhe. O neutro é um inferno que às vezes parece paz. O neutro é o fim do que há pouco era pura decisão. E decisão arde. Fogo de transformação. Faz virar pó e a daí mais escolhas de como ocupar o espaço que se destruiu em fogo. Arder não é neutro. Neutro é falta de sentir. Neutro então é paz de não saber. Mas as palavras ali gritam: SONHO OU VERDADE.
E já que humana, desejo ser duas, para escolher as duas. E como humana sonho, em ser duas. E como humana sonho que a escolha pode ficar para amanhã, quando talvez o quarto acorde cheio de cores e eu possa escolher por outros padrões. Se sonho tiver uma cor e verdade outra, então escolho pela cor. Mas não! Ser humano que já escolheu o sonho das cores acaba de desistir da verdade. Mas foi só uma suposição. Não sonhei ainda. Não escolhi.
Sonho. A capacidade de acordada imaginar o que está longe de mim. A, muitas vezes, covardia de imaginar o que não posso. E sonho dormindo, aquele que o poeta disse ser o mais próximo contato comigo mesma, o que então seria a verdade. Pronto, então não preciso escolher. Sonho e verdade são a mesma coisa.

sábado, 21 de junho de 2008

SEM HISTÓRIA



Hoje eu acordei para escrever uma história. Só para uma história, depois volto a dormir. Uma história curta ou longa, ainda não sei. Uma história difícil ou fácil, estou esperando ver como está o tempo aqui dentro para decidir. Acordei querendo ver mundos para escrever a história. Todos os dias acordo para escrever histórias. Mas hoje é uma história do que sei. A história do meu mundo. Do meu mundo de verdade e não da ficção. Sem rimas, estrofes ou métricas, pois isso eu não sei.

Acordei com raiva do que não dá certo para escrever histórias. Acordei brava com o copo de água que tomo de manhã. Na verdade esperando inspiração de amores em cartas, esperando inspiração na letra alheia. Esperando chuva de idéias à qual sempre fui grata e hoje sinto saudade. Histórias de Camilla. Histórias assim, dessas cheias de percalços. Cheia de quereres e de decepções. Cheia de controles e descontroles. Acordei para dizer a mim mesma que minha história de hoje eu vou escrever.
O que fiz e o que faço, do que pode ser chamado? Amor, crueldade, falta de amor. Esperança, descrença ou rebeldia? Não vou ligar para ninguém, não vou pedir ou esperar
desculpas.
Hoje, quando eu acordar de verdade quero usar um vestido bonito e arrumar o cabelo. Fazer as unha. Sorrir à minha imagem no espelho. Quero me ver hoje. Ver como sou de verdade. Ver quem é que anda brigando tanto e com tanta força para ser feliz. Quero ver quem é essa pessoa que dorme pouco e não sonha nada. Sou eu. Preciso me ver hoje. Preciso tomar conta de mim e para isso escrever história.
Ontem fiquei presa no farol, o pneu do carro murcho e comi carne que não gosto. Falei o que devia, ouvi o que não merecia e assim foi minha noite. Não, não escrevo poesia como você. Eu sou escritora de letras cruas, ainda imaturas e repetitivas. Me explico a cada texto e isso limita minha criatividade. Uso figuras que queria pra mim para melhorar meus cenários. Minha narrativa é longa porque para mim as histórias demoram a acabar. Duram. Nem espero que leiam, já que escrevo para descobrir só a mim. E ser lida seria vaidade demais.
Se engana quem pensa que sempre falo de mim. Hoje sim, preciso falar de mim para me proteger da raiva. Preciso falar dessa menina de trinta e tantos anos que ainda tem medo do mundo e morre de vontade de cuidar de quem ama. Preciso falar da menina que cresceu rapidinho e depois resolveu virar menina de novo. Da menina que chora ao ouvir música e briga quando as coisas que não são verdade. É dessa menina que preciso falar, ela acabou de acordar.
Não tenho outro nome para mim, a não ser Camilla. Aquela que está tentando escrever histórias. Camilla que sorri para todos por vontade de estar bem. A Camilla que pede e recebe ajuda e acha isso um grande passo da vida adulta. Hoje preciso escrever sobre a Camilla de verdade, que não chora mais a cada minuto, mas quando chora são lágrimas que doem antes de cair.
Uma Camilla que não tem a menor idéia do futuro. Acredita sim, que é escrevendo sua história todos os dias que o futuro vem. Mas anda sem letras, e assim sem futuro. Estou com medo de ter perdido tempo demais. De ter dado atenção ao que não dará certo. Tenho medo de ter entregado o que tenho de melhor à toa. E sabe, entregamos coisas boas até elas acabarem. Acabam.. Sobra só a cota que devemos usar para nós mesmos. E aí, quem está ao nosso lado fica sentindo falta. Talvez eu devesse procriar, sentir o amor de um ser que vem de mim. Mas não acredito no mundo. Não acredito no futuro de gerações que destroem. Tenho medo de ter um filho e ele não ter água pra beber, simples assim. Confesso, tenho medo também de não conseguir mais escrever a minha história e ter que ajudá-lo a escrever a dele. Ainda sou escritora de minhas histórias.
Disseram que meus heróis morreram de overdose e é verdade. Mas meus amigos não morreram e os de verdade estão por aqui. Mas quantas vezes ainda vou acreditar em amigos de mentira até me dar conta que os de verdade, feitos até agora, conto em uma mão e devo mantê-los banhado no amor? Quantos filmes ainda tenho que assistir para perceber que o amor se dá assim, tão imperfeito como algo que se move com o vento. Tão surpreendente quanto um pneu furar no meio da estrada.
Não digo que não viva com algumas certezas como companhia. Sim, as tenho. E são de amores que estão sempre aqui e nunca acabam. Ah como são bons esses amores. São firmes e fortes, são amores de suporte. São amores que doem sentir de tão fortes, mas só coisas boas me trazem. Eu digo, vivo dizendo, que amor é palavra de quatro letras. O que acontece é uma mistura de vários sentimentos que carregam a promessa do incondicional e essa promessa tem se renovado a cada dia.
Acordei de cabelos soltos e pijama frio. Normalmente tomaria banho, trocaria de roupa e esperaria o dia acontecer, afinal hoje é sábado. Mas decidi diferente. Ainda estou com pijamas e não vou esperar esse dia acontecer. Vou fazê-lo de história escrita aqui e o que não acontecer aqui, my darling, só em sonho, porque volto a dormir.
Ontem à noite, uma noite de abandono como outra qualquer, eu vi estrelas e previsão de frio para hoje. Surpresa: hoje não está frio! A vida é assim, cheia de surpresas. E reclamo delas. Preciso um pouco de controle. Assim está difícil escrever histórias.
Sempre soube que um dia pararia tudo o mais para escrever histórias. E surpresa: não as tenho conseguido escrever tão bem. Têm sido letras cruas e sem beleza de dias calmos e equilibrados. É o preço. E quando dizem que tudo tem um preço eu não posso refutar. Tem mesmo, eu vivo pagando caro e esperando o troco que não vem.
Se a loucura me visitasse de novo talvez pudesse dizer mais. Mas a deixo lá longe, a Sra. Loucura, sentada de pernas cruzadas, cara de poderosa e com todas as minhas palavras num saquinho em suas mãos.
Ando tentando chegar perto dela e pedir que devolva minhas palavras. Mas quando me ouve ela tampa os ouvidos e ri. Lógico que tomo cuidado para não chegar muito perto. Então minhas chances de pegar minhas palavras de volta está ficando menor a cada dia. Porque as palavras devem estar lá dentro daquele saquinho escuro, cansadas de esperar, misturando-se de forma aleatória e se perdendo do destino que eu daria a elas.
Pensei em pegar o dicionário e tentar roubar algumas palavras de volta pra mim. Eu tenho um dicionário grande, tentei fazer isso. Mas não adianta. Arrastei umas palavras comigo, mas esqueci que na outra mão a Sra. Loucura guarda o meu saquinho de idéias, as minhas idéias. Então estou aqui com um monte de palavras, mas a loucura continua com as minhas idéias. Até gritei, sabe? Pedi encarecidamente que ela me devolva minhas idéias e ela me disse, sem dor alguma, que para me devolver eu teria que chegar mais perto, muito perto. E eu estou sem coragem. Estive com ela há pouco e não foi legal. Quero distância dessa ladra, que me levou o que tenho de mais precioso, as minhas idéias. Tentei negociar, para ela me devolvesse pelo menos as idéias, palavras eu encontraria por aqui, no jardim do equilíbrio. Mas não! Ela é categórica nas suas exigências. E não estou disposta a ceder a elas. Então fico sem escrever minha história de hoje. Essa que acordei para escrever e prometi a mim mesma que faria. Sem história.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Sabe aquela mulher?


Sabe aquela mulher?
Sabe aquela mulher que nasceu tão cor-de-rosa?
Sabe aquela mulher que aprendeu tudo bem devagar?
A mulher às vezes não gosta de passar batom e usa tênis e jeans todo dia? Sabe aquela mulher que toma café com açúcar?
Aquela que pede PF com banana?
A mulher que à noite passa um perfume mais forte?
Que rói a unha sem vergonha?
A mulher do lado de lá e do lado de cá?
A mulher que contou história para criança dormir?
A mulher que ouviu histórias antes de dormir?
Aquela que chora nos cantos quando fica triste?
A mulher, assim, assim, assado?
A mulher blá-blá-blá bunda?
A mulher que ficou brava e agora só usa roxo?
Você não lembra daquela mulher?
O cheiro dela fica no banco do carro e o corpo é quente as mãos frias.
Sabe aquela mulher que cansou de ouvir e foi embora?
E que teve tanta raiva que gritou?
A mulher que tatuou borboleta no ombro e tomou caldo de cana de manha?
Aquela mulher que riu de dor e gozou de amor, sabe?
Então, ela quase morreu. Mas está viva.
Photo TOYIB -deviantart

segunda-feira, 16 de junho de 2008

A casa, a chuva e a carta




As roupas estavam penduradas no varal lá fora, no jardim da casa de lajota vermelha. Anunciava chuva. O céu escurecia. Um vento gelado batia nas flores das janelas que ainda estavam abertas. Eu estava sentada no escritório, na poltrona marrom que já tem alguns rasgos de histórias lidas e contadas. Estava absorvida pela carta que lia. Não conseguia tirar os olhos do papel. Eram duas páginas de uma história que um dia fora minha também.
As roupas começaram a “ventar” no varal. Eu podia ver da janela do escritório - que tem prateleiras de livros por quase todas as paredes. Livros muito meus. Mas não conseguia largar a carta para recolher a roupa no jardim que tem uma jabuticabeira e algumas muitas flores.
Esse jardim estava completamente abandonado quando mudei para essa casa, que agora é minha e tem uma cozinha amarela. Mas foi o que me atraiu. Fiz planos para hortas e muito mais. Acabei ficando com árvores, plantas e flores. O jardim verde me faz feliz. Tem uma rede azul cor de céu lá fora também. Mas estou aqui com a carta em minhas mãos olhando para a mesa antiga, que um dia fora do escritório do meu bisavô e hoje me serve de mesa de trabalho. Em cima dela, um notebook de última geração. O velho e o novo no escritório da minha casa que tem lajotas vermelhas e livros.
Se chover, vai molhar tudo. Mas o conteúdo da carta é tão sério que estou quase assustada. Estou nervosa, mesmo já tendo lido algumas vezes. Meus pés frios estão descalços sobre o tapete colorido de tear que comprei para o escritório, assim que mudei para essa casa, que como já disse, hoje é minha.
Ventania, dessas que só aqui na minha cidade pode-se ouvir o barulho. Ouço os vizinhos correndo para fechar as janelas e ouço portas batendo. Mas o começo da carta diz assim:

“É tanta saudade que fico acanhado só ao imaginar o tamanho que esta carta terá. Não quero tomar muito do seu tempo com minhas histórias, sei que você deve estar ocupada, como sempre esteve. Mas olhando para essas folhas em branco consigo ainda – apesar do tempo – ver seu sorriso largo e radiante, seus cabelos que espero ainda longos. Essa imagem me traz lágrimas e vontade de te contar tudo o que me aconteceu desde que te deixei”.

Bem, esse é apenas o começo da carta que o carteiro, que é meu conhecido, trouxe essa manhã junto com outras. Eu tinha acabado de coar o café no coador de pano quando ele tocou a campanhia. Chamei para tomar café comigo, o carteiro meu conhecido, antes mesmo de passar os olhos pelas cartas.
Minha cozinha é colorida. Amarela, como disse. O chão é ainda de lajota vermelha e as paredes são amarelas. As prateleiras são abertas, sem portas. Estavam assim quando eu cheguei e gostei da idéia. Lá coloquei toda minha louça colorida e meus livros de culinária. Comprei panelas novas só para enfeitar as prateleiras à mostra. A cozinha é ampla com uma pia de mármore branco que o ocupa uma parede toda e fica embaixo de uma janela bem grande. Adorei a casa à primeira vista, pois de todos os ambientes eu posso olhar o jardim através de grandes janelas.
O carteiro tomou o café comigo na cozinha onde a janela está aberta até agora e me entregou a carta, que só fui ver depois que ele se foi. Estranhei ao ver uma correspondência escrita à mão. Tudo hoje vem por e mail. E por incrível que pareça, não reconheci a letra dele. Foi só quando eu vi de onde vinha o selo é que percebi ser dele. Joguei todas as outras em cima da mesa de fórmica azul da cozinha e corri para o quarto.
O dia já estava começando a esfriar e eu descalço nas lajotas vermelhas do meu quarto com pé direito alto. Sentei à beira da cama de madeira antiga, na qual durmo. Essa cama deve ter uns cem anos e me apaixonei quando vi numa loja junto com um guarda-roupa ao mesmo estilo. À época eu já tinha uma cama, que já tinha sido nossa. Mas dei de presente e comprei essa, para recomeçar a vida dormindo em paz. Aqui faz frio e adoro edredons e colchas coloridas e quentes. O meu é vermelho e laranja para quebrar o escuro de tanta madeira.
Sentada na cama, hesitei antes de abrir a carta, lógico. Faz tanto tempo! Olhei no espelho da penteadeira e avistei, lá de longe, uma lágrima tímida. Olhei em volta do quarto, senti que o vento vinha da janela aberta e decidi que essa carta deveria ser lida na minha poltrona de leitura no escritório, onde leio meus livros, onde dou parte dos meus dias para ficção.
Agora, já na décima leitura da carta, paralisada, não consigo parar de pensar na chuva que vai cair. Mas a carta continua assim:

“Sei que você deve ter achando estranho eu não ter chorado na despedida. Mas me conhecesses bem, sabes que não e fácil para mim mostrar meus sentimentos. Saiba que logo que entrei no avião desabei de chorar o grande amor da minha vida que ficara para trás. Você sabe que sempre foi e ainda é meu amor, não sabe? Espero que nunca tenha duvidado disso, apesar de eu ter te deixado.
Chorei muito durante o vôo todo e muitos dias depois que cheguei aqui. Por isso te liguei tantas vezes. Pena que você já tinha se mudado e ainda não tinha telefone. Foi muito difícil recomeçar a vida sem você. Mas os dias, semanas, os meses foram passando e eu fui descobrindo caminhos que à época eu achava que me fariam feliz. Não deixei de chorar por você nem um dia sequer, mas decidi respeitar sua decisão de não querer mais falar comigo. Afinal, eu te deixei”.

Estava pela décima primeira vez nesse ponto da carta quando a chuva começou. Garoa, eu pensei. E nem se tentasse teria forças para fechar tudo. São muitas janelas. Um café já frio e muitos cigarros embalavam a leitura da carta e nada poderia interromper esse momento.

“Eu fui ficando apesar da certeza de que havia perdido você. Fui refazendo a minha vida. Alguns dos planos que te contei antes de vir eu consegui concretizar. Mas não o principal. Tenho uma pontinha de vergonha de te contar que não fiz o que vim fazer. Mas coisas legais foram aparecendo. Eu logo comecei a dar aulas. Acredita? Dei aulas aqui também. E me envolvi diretamente com a direção da escola. O que foi interessante para o período. O dinheiro era legal, o trabalho, desafiador e tudo isso me deixava um pouco menos triste por estar tão longe de você. Por que você não veio comigo? Eu te convidei tantas vezes.... Bom, o primeiro final de ano foi triste demais. Lembrei os Natais que tivemos juntos, do que poderíamos fazer se você estivesse aceitado o convite e vindo comigo. Você não veio”.

Quando cheguei nesse ponto da carta a chuva já estava caindo forte. Olhei para as roupas no varal do jardim e já estavam molhadas. O que me deixou mais calma, assim não precisava mesmo recolher. Continuei lendo, quase sem piscar, a carta que recebera hoje de manhã.

“Até entendo que você não tenha aceitado vir logo que eu vim. Mas poderia ter vindo depois. Tentei falar com você várias vezes, mas você não me atendeu. Sua mãe me disse que você não queria falar comigo. Só me restou sofrer e ver a neve cair, sozinho. Mas saiba que te comprei um presente naquele natal e guardo comigo até hoje.
Esse primeiro inverno eu passei totalmente envolvido com a escola. Mas em junho daquele ano, quando o verão já estava por aqui, decidi ir para o sul, trabalhar perto da praia. Sabe, você sempre teve razão, eu estava mesmo perdido, achando que a felicidade estava nos lugares e não em mim. E foi nesse verão que conheci a Claire. Demorei a assumir um relacionamento com ela, porque no meu coração ainda estava casado com você. Mas como você não aceitava nenhum contato e eu encontrei uma pessoa legal, as coisas acabaram rolando. Mas não foi tão simples assim, como te conto agora”.

Quando cheguei novamente nessa parte desnecessária da carta fui até a cozinha pegar mais café e limpar o cinzeiro. Troquei a xícara. Tenho uma coleção delas, todas muito coloridas. Nem reparei mais na chuva, só senti um cheiro bom, uma mistura de terra molhada e cafezinho quente. Voltei para minha poltrona e acendi mais um cigarro para continuar a leitura.

“Nós alugamos uma casa juntos perto do mar. E foi quase um ano de muitas aventuras boas e loucuras também. Trabalhei bem menos e com muito menos afinco. Saíamos todas as noites. Bebíamos muito. Você conhece o ritmo aqui. Mas logo me dei conta que aquilo não era mais para mim. Você sabe, eu vim em busca de mim mesmo, de amadurecimento e não de festa. O novo relacionamento também já não estava tão legal. Foi quando a Claire chegou com a surpresa: estava grávida. Bem, espero que você não esteja me odiando ainda mais ao ler essas coisas. Eu preciso te contar. Você sabe como sempre fui fascinado por crianças e por ter um filho. Aquela notícia me renovou os ânimos e decidimos tentar nos acertar.
Lembra que pouco antes de eu vir embora você me disse que eu logo encontraria alguém e teria um filho? Como você sabia? Você sempre teve isso de prever as coisas, principalmente comigo. O assunto filhos sempre foi motivo de muito desacordo entre nós, não é? Vai ver foi por isso que você previu.
Curtimos loucamente os primeiros três meses de gravidez. Montamos o quarto do bebê, compramos roupinhas. Eu estava realmente feliz com a idéia de ser pai”.

Acho que tomei muito café lendo a carta. Meu coração disparou. Corri ao banheiro e por um segundo pensei que fosse vomitar. Ajoelhei e tentei, mas não consegui. Levantei me segurando na prateleira de cimento vermelha e me olhei no espelho.
Quando mudei para cá o banheiro era horrível, o cômodo mais destruído da casa. Eu fiz as prateleiras e as pintei de vermelho. E para combinar pus um espelho de mosaico na parede. Coloquei também uma cortina que um amigo artista plástico pintou, com um peixe diferente, que nem parece peixe, no box. No fim, o banheiro ficara lindo.
Lavei o rosto, a ânsia de vômito passou e voltei à poltrona para terminar a carta.

“Mas infelizmente, com 13 semanas Claire perdeu o bebê. Fiquei muito abalado, nem sei como te contar o que senti. Não conseguimos passar por esse momento tão difícil juntos. Eu a deixei. Mais uma vez mudei de cidade. Na verdade eu nunca cheguei a amá-la, mas aquele filho sim, e fiquei sofrendo essa perda por muito tempo. Mais uma vez tentei entrar em contato com você e nada. Dois anos já haviam passado. Eu fiquei quase seis meses na casa do meu irmão até me recuperar e voltar à vida normal. Me chamaram na escola, fui me refazendo aos poucos.
Sabe, as viagens que fiz nesse período todo teriam sido lindas se eu as tivesse feito com você. Fui a lugares maravilhosos, alguns que você já conhece, outros não. E em todos eles, você estava no meu coração.
Minha amada sempre, agora já se vão três anos que parti e ainda é você quem vejo quando fecho os olhos. Não sei se você me perdoou, se um dia será capaz de me perdoar, só sei que não posso mais viver sem você. Sei que o que fiz talvez nunca tenha volta nem perdão. Mas serei infeliz para sempre se não tentar ter você de volta. Por isso, quando você estiver lendo essa carta, prepare-se que em mais ou menos uma semana eu estarei com minhas malas à sua porta.
Sua mãe não me deu mais notícias suas. Então não sei se estás casada, solteira, namorando. Mas vou arriscar me ajoelhar à sua frente, pedir perdão e espero que você, minha doce amada me aceite de volta.
Seu sempre.
Xxxx”

Dobrei as páginas, coloquei-as de volta dentro do envelope em cima da mesa. Pensei em tirar uma soneca na minha poltrona marrom de leitura, foi quando me lembrei da chuva. Mas aí já era tarde demais. Com todas as portas e janelas abertas a água molhou toda minha casa. Fui ao jardim tirar as roupas do varal e acabei me ensopando também. Minha casa está molhada e eu também, mas te digo: o cheiro de chuva está uma delícia.
Photo by randehay

quinta-feira, 12 de junho de 2008

EU SABIA QUE NÃO ESTAVA FICANDO LOUCA!!!!

Campeonato de arremesso de celular acontece no sábado, em São Paulo
Você não leu errado. No próximo sábado, às 15h32 (!), na Rua Arthur de Azevedo n°1, vai acontecer o primeiro campeonato brasileiro de arremesso de celular. Para participar é preciso ser maior de 18 anos.
Segundo as regras da competição, a forma de arremessar o celular é livre, é obrigatório arremessar o celular sem bateria e o participante se compromete a doar o celular ou o que sobrar dele para a organização. O ganhador é aquele que arremessar mais longe o aparelho.
Você participaria de um campeonato de arremesso de celular?
É a primeira vez que esse campeonato acontece no Brasil, mas não no mundo —segundo o site Querido Leitor, que apóia a iniciativa, ele também acontece na Estônia, na Inglaterra e na Finlândia, entre outros.
No ano passado, o campeonato mundial de lançamento de celular foi realizado na Finlândia e o ganhador foi um jovem artista de circo que, em vez de arremessar o portátil, ficou fazendo malabarismos.
Esc

quarta-feira, 11 de junho de 2008

ÂNSIA


Estou com ânsia. Ânsia de vômito de palavras colocadas onde nem papel é. O papel me disse outro dia que o relógio está andando mais rápido do que se pode ver. E eu ouvi a voz no passado bem aqui no meu ouvido e me fingi de louca para não acreditar. Dei uma espiadela no futuro com os óculos do presente e quase fiquei míope.
A fada, aquela que de tanto madrinha, cansou de dar presente, foi viajar, ano sábatico, e não posso contar com ela. Períodos helênicos com pouca força.Estou com ânsia, vontade de vomitar verde, sem nem ao menos uma letra. Desacredito rimas, desacredito composições pretensiosas. Sonho travesseiros de pena e acordo com pena de mim. É tudo parte mentira. É tudo parte. Nada valida. Nada confirma. Não é? Então me mostra onde errei? E não me venha com essa que é errando que se aprende.
Amor de ontem é amor de ontem. Palavra de hoje é coisa que deveria ter ficado numa das mil gavetinhas da minha mente. Imagens roubadas deveriam ser pagas e elogiadas. É tudo um roubo, um furto. Decoração é visual, música é entretenimento. Eu não sou parte. Eu sou disforme e à parte. Meu cardápio está pela metade. Sem bebidas e sem sobremesas. O prato principal está demorando muito e os començais desistindo dos pedidos. O garçom está bem vestido, o restaurante bem decorado, mas a comida não satisfaz.
Os dias estão iguais. E não tenho isso de falar de cinza. Dia é dia. Cor é cor. Seja de que cor for, estou falando mal dos dias. Perguntei a alguém o que achava, ele disse que botava muita fé. Assim como deve ter fé naquilo que não vê. Porque por aqui também não se vê. Aqui é falta do que quero ser. Está faltando e eu achando que não.
E falando em ânsia, não anseio. Não anseio. Não anseio. É isso. Aconteceu assim. De uma hora pra outra a decisão foi tomada e agora escrevo assim. Tem volta, mas ainda não posso optar por ela. Por enquanto minhas palavras dormem, com ânsia de não acordar.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Medrosa


Foram apenas dois ou três dias de uma gripe louca. Alucinei, minha temperatura foi a mil, minha garganta fechou, meus olhos incharam. Tudo ficou feio e eu na cama. Pensando e sentindo dor. Sentindo dor e pensando. Pensando no medo que dá. Medo quando algo muito legal acontece, medo quando algo desagradável acontece.

Me disseram pessimista. Eu não sei o nome, sei que sempre espero sentir medo. E quando melhorei do resfriado fiquei com medo de sair ao sereno e ficar mal de novo. Fiquei com medo de ficar na cama e perder tempo de vida. Fiquei com medo de ler um livro e meus olhos doerem. Fique com medo, enfim.

Ele me acompanha, como um fantasminha que só eu vejo. Mas a imagem que passo é outra. Ninguém acredita muito que tenho medo. Sabe, tenho cara de coragem. Tenho cara de quem sabe trocar pneu, tenho cara de quem sabe brigar com o mecânico por um preço justo, tenho cara de quem não deixa ninguém passar na minha frente na fila. Tenho cara de quem não tem medo de nada.

Um dia disse ao meu companheiro à época que eu era a pessoa mais medrosa que ele poderia conhecer. Até medo de ir a banheiro de madrugada eu tenho. Não sei se ele acreditou, mas me deixou. Achou que estivesse com uma mulher mais corajosa. Quem quer uma mulher medrosa ao lado? Fui atrás dele e disse que entre os meus medos não estava o de perder um homem que tinha medo de viver com alguém com medo. Entendeu? Esse medo eu não tenho. Ele me deu um ok e continuou indo embora. Eu já era história.

Para um outro companheiro, disse que me desculpasse por tudo o que eu estava deixando faltar no nosso relacionamento. Ele também me deixou. Saber que faltam coisas, tudo bem, mas assumir essas faltas, não! Ele ficou com medo e foi-se. Fui atrás dele e disse que eu não tinha medo das faltas, que esperava descobri-las para preenchê-las com amor. Mas ele continuou indo.

A uma amiga eu disse que tinha medo de machucá-la e por isso estava me distanciando por um tempo. Ela se foi, também. Fui atrás dela e disse que não tenho medo de ser sincera e me preocupar com os sentimentos dos outros. Mas ela queria uma amiga ao lado, machucando-a ou não. E eu não sou assim. Ela continuou indo.

A um homem muito importante na minha vida, eu disse que tinha muito medo dele. Foi como se tivesse colocado um espelho à sua frente. Ele não aguentou. Se foi e eu nem consegui mais acha-lo para dizer que quando alguém nos causa medo é porque o amor não existe. Mas disse a mim mesma, e bastou para lidar com a perda.

E a mim, hoje, me olhando bem ao espelho digo que tenho medo de mais uma gripe, de ficar sem grana, de não conseguir escrever, de perder amigos queridos, de não dar conta de amar, tenho um monte de medos. Eu não fujo, não vou embora. E repito a mim mesma que são esses medos que fazem de mim o que sou. Medrosa.

sábado, 7 de junho de 2008

No pain, no gain? I´m asking


…And it was one more old mirror that made me realise I was wearing way too much make up. I was trying to hide the inevitable. But that´s the way it goes. Some beautiful times and other dark ones. What else can u expect from some one that wants to live a bit of everything at the same time? I have to pay the price. Now I paint my nails black and leave my face clean, no to cause commotion. I look to the sides scared of breaking something. I might brake my foot again this year. No pain no gain?

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Ódio ao telefone


Telefone que toca é para ser atendido. Nem sempre!
Atendido pela pessoa certa é sempre. Quando ligo para casa de alguém quero que o amor me atenda. Mas acontece do ódio querer atender. E não tenho mais educação. Os bons modos me plastificaram e fui parar na geladeira, num zip lock. Não mais.
Agora sou nua e mal educada, como uma boa moça no auge de suas vontades. O ódio atende e eu desligo. Mas o telefone celular, esse aparelhinho desgraçado de caça às bruxas, não pára de falar. O ódio é poderoso e a voz continua a dizer:
- Alô, alô.
Não resisto, não consigo. Sou mal educada e fraca de cabeça. Atiro o telefone pela janela. O impulso que faço com o braço é olímpico. Meus ombros se movimentam como se movimentariam na Atenas antiga. Mas ainda me sinto na cova dos leões quando vejo que o telefone caiu em outro prédio - e de longe posso ver que caiu na portaria do prédio na frente do meu.
Sim, se sou olímpica, tenho um olhar poderoso.Moro grande, com árvores plantadas e podadas todos os dias pela tesoura do crescimento organizado, por ordens do plano diretor.
O telefone cai em outro prédio grande. O porteiro vê o aparelhinho com a luz acesa no chão e fica ressabiado. Pensa em levantar da sua cadeira de vigia e bisbilhotar o telefone voador. Levanta seus sapatos de quatro ônibus por dia e pega o telefone nas mãos. Antes mesmo de colocá-lo no ouvido, ouve:
- Filho da puta, como não responde? Desgraçado, sua vida é de inferno.
Ao ouvir o ódio falar, o porteiro, calmo até então, feliz com as horas extras que a noite lhe paga, se transforma. Odioso fica e sobe nas paredes. A portaria não tem mais chão ou teto. Ele anda como uma aranha com sede de matar. A portaria tem uma arma. Disseram-lhe que o mundo anda violento. Justo pra ele?
“Mas use com cuidado, seu pobre ignorante, para não criar problemas”, avisaram-lhe. “Pobre ignorante odeia e quer matar”, pensa o porteiro. O celular está na bancada falando coisas que só o ódio fala. Pega a arma, abraça com as mãos, com quase-carinho.
-Corno, filho da puta, fala se for homem. Me encara se tiver colhões.
Seus olhos estão tão vermelhos que até o espelho quebra para não olhar a cor do ódio, não reconhecer que ela existe. Ele sai da portaria, chama o elevador e vai de andar em andar, atirando em todos os moradores que vê. Ninguém reage ao ódio inesperado. Ele mata a todos no prédio. Invade apartamentos. Atira na cabeça para matar sem tempo de ter história. Sem testemunhas para noticiário de tevê. Atira o que o ódio lhe atirou. Tira da arma as balas e as coloca no próximo passo da vida dos outros, o fim.
Depois de matar todo o prédio e de ter visto mais sangue que o vermelho dá conta de ser, volta para portaria, onde encontra o aparelhinho odioso e com a mesma força no ombro que eu tive, com o mesmo impulso dos meus braços atira o aparelho para o outro prédio.
Continuo na minha janela, com minha visão olímpica. O aparelhinho vai parar em outra portaria. E antes que eu pudesse imaginar o que aconteceria por lá, o prédio que morreu, cai, desaba. Vai ao chão, assim como em filme. Ruiu. Todos estavam mortos e morreram de novo. Ou pelo menos já morreram mortos, o que deve ser menos dolorido. O porteiro, que tomou a morte nos ouvidos e nas mãos, morreu embaixo de todos eles. Morreu como viveu, embaixo, à beira, à margem, vigiando o sono, enfrentando perigos para que os mortos de agora dormissem em paz.
O porteiro do outro prédio sai correndo assim que vê o aparelhinho que não quebra cair no jardim na frente da portaria. Eu penso:
- Esse é mais apressado. Quem sabe é mais forte e resistirá ao ódio.
Ele pega o aparelho nas mãos e ouve:
- Vagabundo, vadio, puto desgraçado. Não vai falar nada não, seu corno do caralho?
O porteiro fica ouvindo por alguns segundos. E eu também. Minha audição é sensível ao ódio, por isso ouve de tão longe. E mais: não preciso explicar isso.
Alguns minutos de ódio verbal, o porteiro chuta a porta de sua jaula e pega uma arma, que esse prédio, por prevenção, também tem. Entra no elevador e começa de baixo, tiros do primeiro ao décimo quinto andar. Nem cachorro se salvou. As cenas não o chocaram. Queria todos mortos, se não fosse pelo ódio do telefone, que fosse pela doçura de suas balas. Depois de todos mortos ele vomita o sangue que derramou.
Volta à portaria e com muito mais força que eu e o primeiro porteiro atira o celular bem longe. Ódio voa. E mais uma vez eu vejo: o prédio cai. Cai de ódio. Ódio derruba, destrói em série e isso não é filme. Roteiro nenhum e nem sequer som. A morte de todas essas pessoas em prédios bem próximos ao meu e nem um grito ouço eu. Nada. Sem lamento. O ódio não aceita lamento, é intolerante. Ódio impiedoso. Morram, não chorem, não lamentem e morram duas vezes, pois seu prédio vai cair.
E eu, da minha janela assisto a mais um porteiro morrer soterrado embaixo de palácios em caixas.
-Tchau porteiro, penso eu. O ódio é seu e não mais meu.
Mas a essa altura o celular abominável já está no terceiro prédio. Onde o porteiro dormia e sonhava com focas, sim! Queria ver uma foca um dia. Morreria sem ver uma, o desgraçado. Ele acorda ao barulho da queda do aparelho, põe ao ouvido e ouve:
-Você me subestimou, agora acabo com você, seu canalha.
É o primeiro porteiro a se assustar. As pernas tremem, ele nunca foi muito forte, ouvi dizer e não conto de quem. O medo lhe rasga a alma. Ele não agüenta a voz do ódio, pega mais uma arma na portaria e se dá um tiro ao ouvido. O barulho estridente que penetra seus tímpanos é ampliado em pelo menos um milhão de vezes. E o prédio também cai. Cai ao barulho estridente, cai demolido de sons. E mata pessoas vivas. Essas morreram vivas, penso eu, da minha janela de vidro, que nem sequer uma rachadura tem.
Ele morreu e o celular continua falando ao seu lado. Sem dó.
A visão que tenho agora é de que o centro da cidade, pelo menos três ruas abaixo, foi praticamente destruído. Um buraco negro de vida se abre bem à frente do meu prédio. Buraco de vida é morte, sabia? Buraco de amor é ódio sabia? Quem mandou o ódio atender ao telefone?
Ainda na janela vejo um homem. Um homem iluminado, que não sei por que me parece com Deus. Não que tenha visto Deus um dia. Tenho visto muito ódio para ver Deus. Mas o cara é Deus e vem subindo as ruas, olhando os prédios caídos e balançando a cabeça, em sinal de reprovação. Prova de que ele é Deus é que ele desliza e não anda. Plaina sobre o que sobrou de rua. E vem com o celular na mão. Agora desligado. Deus desligou o celular de ódio e caminha sóbrio em minha direção. Um piscar de olhos e ele toca minha campanhia. Eu abro e ele é Deus. Olha pra mim e eu digo:
- Shhhhhhhhhh, silêncio.
Foto by SimpleScene - Deviantart

terça-feira, 3 de junho de 2008

UM CONTO ERÓTICO, NÃO FOSSE.....


eu não saber escrever sobre sexo




Um sorriso assim, meio triste, meio torto deixa a gente sem graça. Pega de surpresa pela assimetria. Ele me sorriu assim e foi na praia. O sol estava forte demais para coisas singelas. Tinha que ser assim mesmo, um sorriso meio triste, meio torto. Me ganhou. Continuei sentada na cadeira, tomando o sol anti-protetor solar. Sabia que estava sendo observada, mas isso não fazia minhas pálpebras tremerem. Fechei os olhos, assim como se faz para tomar sol.
Deitar em cadeira de praia não é das tarefas mais confortáveis, mas é com certeza, compensadora. Meus pés? Escondi na areia, cavando um buraquinho só pra mim. E torrei ao sol por alguns minutos. Estava batendo a sede. Abri os olhos e olhei para o lado. Ele ainda lá, com seu sorriso torto e assim, meio incerto. Levantei para buscar água. Dei uma olhadinha pra ele, aquele olhar “cuida das minhas coisas pra mim” e ele piscou, ok! Fui pulando pela areia, que mesmo de chinelo, queima a sola do pé, até o quiosque da praia. Quer saber? Nada de água, pedi uma caipirinha e voltei para minha cadeira. Mais um sorriso para agradecer ele ter “olhado” minhas coisas. Ele pareceu sem graça.
Sou assim, não facilito para mim mesma, nem para os outros. Levantei o assento da cadeira e sorvia minha caipirinha com o mar todo à minha frente. Pensei comigo: não posso nunca estar feliz. Besteira, nem sei se pensei isso mesmo.
Ele finalmente se aproximou. Eu tinha certeza de que acabaria fazendo. Alguns homens são assim, parecem que não, mas se atiram.
-Vem sempre nessa praia?
- Nunca, sou de São Paulo.
-E está gostando?
-Adorando.
Bem, até ali o papo básico de quem se conhece na praia. Achei que não iria dar em nada mesmo. Mas ele continuou sentado ao meu lado, jogando conversa fora. Ofereci um gole da minha caipirinha, ele aceitou. Opa, estávamos dividindo uma caipirinha e eu nem sabia seu nome.
- Luca, meu nome é Luca.
- Lindo esse nome. Que bom te conhecer Luca.
Sou honesta quando gosto de ver alguém. Ver mesmo. Ele era uma figura agradável, um cara gostoso de olhar e pouco a pouco se mostrava gostoso de estar junto também. Falamos sobre Rio, São Paulo, Fidel renunciando, cinema brasileiro, ter trinta anos solteiro, quem tem ou não filhos, carreira, dinheiro. Isso mesmo, tudo isso assim, em tão pouco tempo.
Não, não tinha a sensação de que o conhecia faz tempo. Dizer isso seria mentira. Tinha a exata sensação de que o conhecera ali, naquele instante e que estava sendo um prazer descobrir alguém tão interessante.
-Vamos dar um mergulho Luca, convidei.
Ele topou e caminhamos até o mar juntos. Caminhar de biquíni na praia não é meu forte, mas estava bem. Mergulhamos algumas ondas, passamos a rebentação e ficamos um tempo conversando também dentro do mar. Bom isso! No mar, onde a profundidade não dava pé, nós dois quase sem fôlego conversando, bem perto um do outro. Podíamos ficar ali o dia todo, não fosse o sol tão forte.
- Vamos sair Luca, o sol esta muito forte.
Ele fez que não ouviu e chegou mais perto, com o rosto bem próximo ao meu.
-Vamos sair? O sol está muito forte, vamos para o meu guarda sol, eu disse mais uma vez.
Ele aproveitou a proximidade e me beijou. Um beijo de sal de mar, dado por uma boca torta e um tanto triste. Eu beijei também, mas não abracei. O fim do beijo foi sorriso, meu e dele.
Saímos então do mar, sem dizer nada. Tínhamos nos beijado. Fui andando a passos pesados para o guarda-sol, passos de sal de mar, de areia, de muito sol e de um beijo roubado, que dizem ser o melhor. Foi bom. Apaixonante para dizer a verdade.
Ele nem sentou na cadeira, correu ao quiosque e pediu duas caipirinhas. Voltou e me deu uma.
-Vamos beber um pouco? Sugeriu, tímido.
-Vamos beber um muito!, Eu, oferecida.
E a caipirinha não durou mais que cinco frases cada um para decidirmos que o horário de praia tinha acabado. Não mais por hoje.
-Vamos comigo para casa, ele não sugeriu, convidou.
-Vamos.
E comecei a arrumar a bagunça de coisas que estavam esparramadas em volta da minha cadeira. É assim, eu trago para praia tudo o que preciso e um pouco que não preciso também. Assim fico segura de que o dia será apenas de sol. Sem grandes trovoadas e chuvas desavisadas.
Fomos andando até o carro dele. Eu até pensei em ir para o hotel, que era logo ali na frente me trocar. Mas não. Na verdade eu nem conhecia o Luca direito, mas queria ir exatamente onde ele me levasse e assim mesmo como eu estava vestida.
Entrei no carro.
-Luca, para onde estamos indo.
-Minha casa. Vamos fazer algo para almoçar. Vamos almoçar juntos não é?
- Vamos sim.
Ele pegou uma avenida, que acho ser a Copacabana! Estava no meu primeiro dia no Rio da Janeiro. Na verdade ainda não conhecia nada.
Ele colocou um cd que adoro, mas que não sei o nome. E achei melhor não perguntar. Detesto essa coisa de “ah, adoro esse cd, quem está cantando mesmo?”. Fui ao embalo da música de desse novo personagem, o Luca.
Em 10 minutos de uma linda paisagem chegamos a uma viela. Ele mora numa vielinha com umas 10 casas. Entrou com o carro na garagem e pediu que eu descesse e me sentisse à vontade. A casa era charmosa, cheia de cores, de toques pessoais. A sala tinha cara de quem recebe amigos amados. A cozinha, aquele cheiro de quem cozinha com gosto para amigos gostosos. Sentei no sofá, um tanto encabulada. Ele sentou perto de mim, me deu um beijo grande, forte, profundo. Me abraçou como se uma onda forte viesse em minha direção e ele quisesse me proteger. Ficamos ali no sofá, nos beijando por algumas horas. Nada de sexo. Nos beijávamos e falávamos sobre alguma coisa que provavelmente era besteira, mas que pra nos dois fazia um monte de sentido. Ainda tinha a sensação de tê-lo conhecido há pouco. Mas era bom.
Não sei por que, bem ali, no sofá de um estranho que acabara de conhecer na praia, senti vontade de chorar. Não chorar drama, chorar charme, de muita emoção. E quando sinto vontade de chorar, impossível segurar. Chorei. Agüei. Chovi. Inesperadamente ele não me perguntou por que eu chorava e não achou estranho. Sentou de frente pra mim, segurou uma de minhas mãos e sorriu, como se estivesse feliz por eu estar chorando. E era mesmo para estar. Eu choro bem.
Ele é bonito, pensei. E era mesmo. Tem um sorriso torto, mas é bonito pacas. E como se adivinhasse o que eu pensava, ele enxugou minha lágrima e me beijou mais uma vez. Longo. Muito longo. Quando percebi estava na cama dele. Medo. Enquanto estávamos só nos beijando eu ainda podia ver seu sorriso. Na cama não podia mais. A cara dele era de sério. De quem quer se concentrar. E eu não gosto de sexo concentrado. Prefiro diluído mesmo. Com muita água. Brequei os avanços do corpo dele. Não queria assim, transar loucamente depois das lágrimas. Até então estava achando a companhia dele realmente legal, não queria que a tarde se tornasse previsível.
-Nos não íamos comer alguma coisa? Estou morrendo de fome.
Bingo, ele é sensível. Levantou-se imediatamente e disse:
-Vamos sim, lógico.
Fomos para cozinha. Adoro cozinhas coloridas, com balcão para sentar e conversar enquanto se prepara a refeição. Sentei num banco alto e deixei que ele pilotasse o fogão. Abriu uma garrafa de vinho branco, gelado no ponto. Pensei “tem gosto para vinho, um bom sinal”. Perguntou se eu gostava de pasta alho e óleo.
- Acertou em cheio!
Na verdade tinha acertado em cheio em tudo até então. Mas não queria exagerar nas palavras e nem dizer a ele o quanto amo macarrão. De leve.Enquanto ele cozinhava, nos bebíamos vinho e nada de silêncio. A conversa era agradável, a casa agradável, ele quase perfeito e eu me sentia bem.
- Você está no Rio a trabalho?
-Não, não conhecia o Rio e decidi vir sozinha, e apesar de ter alguns conhecidos e amigos por aqui, me hospedar num hotel pra fazer turismo mesmo.
- Sozinhos, acabamos conhecendo mais gente ,não é?
-Lógico, olha eu aqui, conhecendo você.
- E essa tarde vai ser uma boa lembrança da viagem?
-Não sei, a tarde ainda não acabou.
É, eu sei. Talvez tenha sido uma resposta imbecil. Deveria dizer, sim, claro. Mas teimo em ser sincera. Era verdade, a tarde não tinha acabado. Estava longe disso, eu esperava.
A massa ficou pronta, ele serviu em pratos igualmente bonitos. Perguntou se eu queria ir para mesa e preferi ficar no banco mesmo. Ele sentou ao meu lado e devoramos o prato. Macarrão + queijo + vinho + Luca = uma tarde agradável.
Ele começou a rir sozinho, uma risada de barriga cheia. Perguntei do que ele ria.
-Fiz macarrão com alho para alguém que pretendo beijar o dia todo. Uma deselegância só.
Sorri também quando me lembrei que minha boca provavelmente estava com gosto de alho.
- Vou ao banheiro, escovar os dentes.
-Também vou, ele respondeu já me acompanhando.
Peguei minha escova na bolsa e fui ao banheiro dele. Ele veio junto. Escovamos os dentes olhando um para o outro no espelho. Estava escovando os dentes com ele. Normalmente uma intimidade que leva tempo para ser ganha. As coisas realmente estavam acontecendo num fora de ordem delicioso nessa tarde.
Dentes escovados, fui para sala. Confortável, me esborrachei no sofá. Ele colocou um CD do Toots Thielmans. Mais uma: eu adoro Toots, mas não diria nada. Clichê demais para o clima que estava rolando.
Recomeçamos no sofá, como dois adolescentes que esperam os pais saírem de casa. Como já disse, os beijos eram longos. Ele beijou minhas mãos, meus braços, meu pescoço, e aí fazia charme, dizia coisas engraçadas no meu ouvido. E foi aí que me ganhou.
Adoro beijos com risadas. Romance tem a ver com humor. Paixão tem a ver com sorrisos, tortos ou não, com gargalhadas e diversão. Assim é um bom amor.
É, eu sei. Não dava mais pra ficar só nos beijos no sofá, tava ficando muito longo sem um final feliz. E ele foi exato. Foi tirando minha roupa devagar, sem deixar de me beijar, sem deixar de dizer coisas bem humoradas. Fui também tirando a roupa dele, me divertindo com a atmosfera de sem compromisso que ele me permitia sentir. E aconteceu, transamos com calma, com carinho, com música, com o sol de final de tarde, com a barriga cheia, com o vinho ainda fazendo efeito. No sofá, no chão e por último na cama. Transamos até cansar. Cansar de bom. Cansar de corpo.
- O dia foi uma delícia, adoro sua companhia.
Adoro declarações honestas. Não preciso de flores, jóia, ligações, bombons ou café na cama, prefiro frases honestas. E nesse caso foi exatamente o que senti também. O dia tinha sido uma delícia. Adorei a companhia dele.
Eu poderia ter ficado, dormido com ele. Eu poderia querer ver ele de novo. Eu poderia achar que estava apaixonada. Eu poderia criar expectativas. Eu poderia achar que ali começava um grande romance. Mas não. Foi um romance sim, assim como são todos os que começam e demoram para acabar e também aqueles que começam e acabam na mesma tarde.




Photo by chickendiver - deviantart

domingo, 1 de junho de 2008

Behind


- I´m behind your door.

- Can´t see you!

- Here, behind... hiding.

- Why hiding?

- Guess..

- Hiding, guessing.. what is the game now?

- Don´t care ..... Just guess

- Are u going to carry on talking like this? You behind the door and me here?

- Guess..

- You know what? I´m kind of tired of u... stay there, behing MY door ...


I knew it. Just knew it. That one day you would get tired of me and leave behing some door. The idea, even the scene, was always in my mind, like warning me. So I dared. Today I came here to make sure.. that is why i hired behind YOUR door. Now, I´m sure. It did happen. But I´m so clever that I´m behind the door already, waiting for the worse (or the better, who knows?) to happen. Me going.. bye