sábado, 30 de agosto de 2008

S U A V E


São apenas histórias. Nem se preocupe. Pinte a parede. Todas. Cuidado, que vermelho enjoa. Azul é para todo dia. Já disse, cuidado e fale baixo, aqui a suavidade tem valor. Aqui feminino é regra. Toque apenas as músicas permitidas, mas cuidado com a repetição. Tente escapar pela tangente. Não é fácil. Sempre feitas de negativas que só aqui acho incríveis.
Comunique-se, sempre com a voz baixa. Não precisa fazer estrago que o ponto G não existe. Não insista. A ilusão alimenta, mas é por pouco. Como comer macarrão, é bom na hora, mas a fome vem correndo. Se puder, abuse do açúcar. Como ópio. Abuse mesmo, agrade seu cérebro, ele merece. Enquanto estiver vivo pense uma vez mais. Uma idéia não encerra a vida. Também não pense que terás outra chance. O tiro vem de qualquer lugar e ninguém vai te avisar. Eu já disse: cuidado!

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Curiosa


O que você está lendo no momento?



Ps. Essa foto não é o máximo?



Foto:knows-flower - deviant

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Sem sacrifício


O corpo dele é assim, ó.. bem longe do meu. Ele conta histórias de heróis tribais e eu tento pegar no sono como criança que resiste ao cansaço. A voz dele me acalma mesmo, mas não durmo. Me seguro acordada, na esperança que no final da história ele me surpreenda com um aquário de vidro com dois peixinhos dentro. Perco o sono e eu mesmo acabo virando peixe que não escreve só de mim. Egoísta de dor. Falo, falo e o eu não sai. Permito, então, a junção de poucos aquis e alis, que rabiscaram traços de criança para ser eu. Que não aperto a caneta, que relaxo por desistir da estética. Eu que encho baldes e os chuto. Eu que morro encostada antes do mundo acabar em barranco. Assim.
Eu, eu, eu. Coisa chata, eu. E como telefone sempre toca na hora errada, atendo com descaso. Já disse que não faço mais sacrifícios. Só o que me vem com prazer. Eles se oferecem pra vir me buscar. Aceito. Me arrumo até sem sacrifício. Eles chegam de pernas duras e olham curiosos. Eu tenho as pernas moles de quem sabe o que põe pra dentro da cabeça e assopra pra fora.
Estão todos na minha casa de tijolos. Todos. E a curiosidade mostra sorrisos. Eu aprecio sorrisos. Mas não faço mais sacrifícios, pois agora me sinto bem.
Vamos ao teatro e depois a um bar. Mas eles não se levantam do sofá. Conversamos conversas tolas de falar rolando. Tudo curiosidade. E eu falo até onde não é sacrifício. Fico com vontade de já ir. Planos são feitos para serem colocados em prática. Quero ser platéia. Vamos gente. No carro:
- Mas você está bem mesmo?
- E por que não estaria?
- Ah, seja honesta vai! Não está com saudade dele?
- Estamos preocupados, seja sincera.
Não! A curiosidade queria o mal. E eu não faço sacrifícios. Acho que a modernidade não combina com sacrifício. A vida hoje é só pra ser feliz.
Abro a porta do carro. Sem raiva, rancor ou ódio. Sem curiosidade, interesse ou respeito. Pronto, agora está acertado: eles querem saber de mim e estão curiosos pela parte ruim. Eu, que não faço sacrifícios, vou embora. No caminho de casa o chão me ilumina. Sinto-me forte por não fazer sacrifícios. Certo orgulho. Eu, eu, eu! Sempre eu, argh!


Foto by Karcos. Deviantart.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Cracked




Dom Quixote vai correr atrás de mim. A polifonia me confunde. Os sapatos são todos novos e eu quase cheguei atrasada. Desculpa, viu? Não foi minha intenção. Não quis atrapalhar. Tomei um copo de ódio e pensei rimas. Quero abrir as janelas e assar um bolo, porque as pessoas não são tão especiais assim. Eu tenho náusea de barcos. Perdi a vergonha de juntar frases. Continuo pagando por hora e pedindo desconto. Não compro mais brigas, fico anônima com medo de ter idéias. Toma banho, toma, ela me disse, toma banho, moça. Quem sabe aprende a usar vírgulas. Use mais vogais, quem sabe te entendo melhor. Dá fome não, isso é culpa. Não leio Paulo, mato dois coelhos numa caixa d`água só. Ouço Vinícius, leio Nelsons, cuspo no teclado. Pura raiva do tamanho.

domingo, 24 de agosto de 2008

Sem pontuação

Não vou mais para país algum, o transporte de idéias anda ruim. Para ir teria que parar de pensar e dormir mais. Não durmo, devo ficar por aqui mesmo, sentada ao lado do cachorro que não passeia porque não pode sair sozinho. Errado essa coisa de cachorro não passear sozinho e precisar de coleira. Coitado do pobre, não goza de liberdade alguma. O cigarro anda apagando muito rapidamente e eu quase não tenho tempo de fumar. Tenho medo de ir a lugares que tenho que ir amanhã. Preferia não ter que ir a lugar algum e ficar aqui, como o cachorro e com ele. Quem sabe assim o cigarro demoraria mais para apagar e eu teria mais tempo para fumar. Assim como tomo água toda hora, água é bom pra mim e eu não sei mais o que dizer às pessoas. Cada hora é uma idéia, cada hora é uma coisa. Qual é a bola da próxima vez? Eu nem sei mais se continuo chutando com a mão trêmula de qualquer lado que eu olhe. Ontem tinha um menino sentado no muro ao lado da minha casa. Ele vestia shorts, nem preciso dizer curtos, já disse em inglês. Eu pensei em ir falar com ele. Mas se ao menos eu tivesse uma pipa, quem sabe conseguiria conversar com ele. Mas, sem pipa. Eu estava sem pipa e estava só ouvindo o começo de uma música. Adoro quando as músicas começam. Ainda mais quando não sei quais vão tocar. O começo de toda música é bonito. É uma surpresa boa ao ouvido. E esqueci do menino no muro ao lado. Assim como esqueço de todos os meninos e não me apego a muros. Tudo isso porque não dá tempo. Tenho feito as coisas sentadas. E sentada cansa a coluna e deitada cansa também e de pé não dá pra escrever. Falar não vale. Escrever é que vale. Acender o cigarro devagarzinho, queimando as beiradas e depois deixando-se queimar. Assim como fazem comigo. Deixam-me queimar. E eu fico inventando músicas pra chorar, achando que choros encerram sentimentos. Não encerram nada. Na ilusão de poder esqueço que não escolho a hora das coisas. Elas acontecem sozinhas e fico olhando a careca do homem que passa na rua. Pensando que ele ou eu, naquele momento, poderíamos morrer atropelados e ai seria uma bagunça na família dele ou na minha. Ambulâncias com sirenes tocando me fazem chorar quando passam. É a coisa da música de que estava falando. Esses dias sonhei com o espírito da salvação. Na verdade foi um pesadelo horroroso. Não sei por que ele se chamava salvação. Vai ver no sonho me dei conta de que salvação é o fim de tudo. E nem dicionário de etimologia isso precisa. Salvação é o final. E o espírito estava na portaria, me esperando sair. No sonho eu consegui escapar. E agora tenho certeza de que me deram o remédio errado, porque nem dormir eu consigo. Vou tomando água e pensando. Pensando e tomando água, como se não precisasse fazer sentido algum.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Antídoto

Me queimo na frente da tela do computador e da televisão. É como um grande forno para ser humanos. E pros fumantes com bônus. Frita meus neurônios, grelha minha vista, assa os meus dedos. Hipnotização fantasmagórica. Um ente separado do conhecido me abduz. É um filme que cansa a vista e com legendas. O antídoto?Assistir filme brasileiro e me sentir em casa. Chega de saudade!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Amor assim, tem fim!


Eu que nem pensei em te ligar! Só porque você não liga pra mim. Entendi, porque um pássaro veio contar ao pé de meu ouvido (cansado e com zumbido), que seu telefone estava quebrado. Mandei o pássaro embora e disse que só acredito vendo na terra os buraquinhos da chuva. Só sentindo o cheiro de chão molhado, acredito que choveu e o telefone quebrou. Mas telefones não quebram sob chuva.
Dois dias mais sem suas ligações e o telefone estava funcionando. E a dor da minha espera era como roda fina de bicicleta que tem a sorte do equilíbrio; deixa marca tênue no chão; a roda fina da bicicleta. E assim era minha dor: rodante.
Estrangeira, a vontade que senti de falar com você, vinda de fora, lugar longe, sem condições de estadia. A vontade estrangeira não agüentaria ser boi em terra de vacas e se deportaria por vontade de voltar para casa. A vontade iria ceder à saudade de casa. Estrangeira, adjetivo que vontade não quer e joga fora.
Mesmo que eu ouvisse suas palavras tão suaves, com respeito, diria, até profissional pela minha vontade, de nada adiantaria. O amor é história que precisa de cenário, tempo, figurino e iluminação. Tratamento de som e de cor. Edição, cortes, revisão e lançamento. Somos apenas dois personagens perdidos num camarim roubado, com água em copo plástico. E fazer amor assim, tem fim.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Inscrições de Phortas de Banheiros I

Um Pedro, on the rocks!

O bar era dos antigos, aberto nos anos 80, no Jardins, e que agora se mudara para um galpão na Barra Funda e tem um publico de trintões cativos. A música tocava alta, muito mais alta do que ela suportava ouvir. Seus ouvidos pareciam que iam explodir. E se explodissem? “Será que quando os ouvidos explodem a gente morre?”, ela se perguntou, tentando sair de cena. Mas não deu. Na menção que fez de subir as escadinhas da saída do bar, o amigo encostou a mão nos seus ombros e disse “onde você pensa que vai à uma hora dessas? Ainda é muito cedo para você ir embora! Não bebemos nada”.
Ela voltou-se para o amigo sorrindo, e foi na virada que mudou a expressão, porque estava subindo as escadas apavorada, e precisando mesmo sair dali. E na virada, um sorriso, ela pensou, analisando a si mesma, num misto de crítica e aceitação por ter a capacidade de sorrir a quem lhe agrada, a quem quer sua companhia. “É que a música aqui está muito alta pra mim, não estou agüentando, não sei o que aconteceu. Na verdade estou me sentindo mal e acho que preciso ir embora”, confessou, apesar do sorriso. “De jeito nenhum, vem pra cá, vamos sentar e tomar mais uma!”, disse o amigo. Ela sorriu mais uma vez e o seguiu em direção à mesa em que estavam com mais alguns amigos. “Duas tequilas, por favor”, o amigo pediu ao garçom.
Ela imaginou que uma tequila podia fazer um bem danado numa situação assim. O poder do álcool é uma coisa maravilhosa, opera milagres que nenhuma ciência explica ou explica, mas esquece de dizer que é milagre e dá outro nome.
A música continuava muito alta. Sempre gostara de música alta e lugares agitados. Mas aquela noite não! Naquela noite a música estava estridente, machucando seus ouvidos, atordoando sua cabeça. A tequila chegou e ela virou. Bummmmmmmm. Bateu uma. Olhou para o amigo e disse, agora já sem o sorriso, sem a cara de medo, só com a cara de quem vai enfrentar o que vier, mesmo que seja uma música alta. “Pede outra, aliás, pede mais umas três doses só para mim”. “Uau, é assim que gosto de te ver. Garçom, mais três para a moça ali e mais três para mim também!”
O rosto dela agora era mais curioso, mas criativo. Conseguia olhar para as pessoas à sua volta e fazer caras para elas. Conseguia fazer a cara sexy, a cara cansada, a cara noturna, a cara quero te conhecer, a cara gosto de você, a cara sua roupa é brega e outras. As três tequilas chegaram e bammmmmmmm. Bateu mais três. Na virada do último copo a música ficou mais alta do que nunca. Estava insuportavelmente alta. Ela tinha que sair dali, sentia que se ficasse mais alguns minutos alguma coisa ainda pior do que explodir os tímpanos iria acontecer. Pegou a bolsa, deu um beijo no amigo e subiu as escadas trançando as pernas.
Bêbada de tequila, bêbada de música, bêbada da noite que tinha tido. Quando chegou ao topo da escada decidiu que iria ficar ali e entender o que estava acontecendo. E no último degrau entendeu: queria sexo, um sexo de hoje e só hoje “Vou voltar, beber mais e que se dane a música”.
Apesar das idas e vindas, a moça é decidida. Menina de força e coragem, de ouvidos e paixão, de olhos e mãos capazes de loucuras. Sentou-se numa mesa que não era a do amigo. Olhou para um homem, trintão, como ela, que sentava sozinho e perguntou: “Você está acompanhado?”. Ele respondeu que não e pediu mais tequilas para eles. Ela deu para ele a cara “quero você” e começaram num papo etílico que só os dois e a música poderiam ouvir. “Eu não estou gostando do volume dessa música, não estou gostando desse bar e já tentei ir embora duas vezes. Aquele amigo ali ó me segurou a primeira vez e da segunda eu sai e voltei e sentei aqui com você. E você?” “Estou curtindo a música, adoro esse bar e não tentei ir embora nenhuma vez, porque se tentasse não voltaria. Mas tive um dia do cão, uma semana desgraçada e estou louco para me divertir. É por isso que estou tomando essas tequilas com você”. “Ótimo, então vamos tomar mais”, ela disse virando mais um par de copinhos do líquido amarelo que a levaria ao céu e ao inferno.
“Preciso ir ao banheiro”, disse a ele. Mas foi quando se levantou que percebeu o quanto estava bêbada, o quanto de tequila já tinha posto no corpo que queria sexo, queria ir embora e no corpo que não agüentava mais a música. Com os olhos o chamou para ir junto, e ele sorrindo um sorriso malicioso pegou sua mão e foi.
O banheiro feminino estava lotado, com direito a fila de várias tribos de São Paulo, de rockabillies aos clubbers. Foi chegando com a cara vou-transar-com-esse-homem e furou a fila. Não deu bola às algumas vaias mais puritanas que recebeu. Entrou e enquanto se divertia com o novo estranho, a música alta ainda estava nos seus ouvidos, assim como os gemidos dos dois. E foi no ápice do ápice que bateu os olhos na porta do banheiro.
“Pedro, sem você eu não fico. Pedro, sem você eu não vivo. Pedro, sem você eu não quero e não faço sentido. Assinado Sabrina, 25 março de 2007”.
Uma inscrição de amor na porta de um banheiro, feita à BIC, até ai nenhuma novidade certo? Errado, aquela mensagem mexeu com ela. Empurrou o cara na mesma hora e disse “Sai por favor, e espera lá fora”. Ele não entendeu, levantou as calças e saiu.
Sentada sozinha na privada de um bar lotado e escuro, com uma musica alta e estridente, e com pessoas vaiando a furada de fila que ela dera, começou a chorar copiosamente pela mensagem.
“Quem é Pedro? Esse Pedro é incrível, que sorte tem a Sabrina. Como “sem ele ela não quer”? Não quer o que? É incrível não querer sem alguém. Eu quero sem ninguém mesmo”.
Subiu as calças com dificuldade, o jeans grudava no corpo que queria, mesmo sem alguém. Era como se depois de se dar conta dessa capacidade de amor seu corpo tivesse descabido. Inchado ou encolhido. Estava diferente. O sexo no banheiro, que antes era tão divertido, agora perdera o sentido. Abriu a porta para encarar muitas caras feias e um espelho que a dizia estar bêbada e chorando.
Sua cabeça parecia estar mais redonda depois de saber que poderia haver um Pedro por aí e que tinha sentado para fazer xixi exatamente na mesma privada que uma Sabrina que não podia viver sem ele sentara em 25 de março de 2007.
Não sabia onde estava a bolsa, não dava para retocar a maquiagem e ela também não fazia questão nenhuma de sair do banheiro mais bonita do que entrara. Naquele momento se perguntava por que em nenhum ponto da sua vida tinha entrado no banheiro, com uma caneta BIC em riste para dizer à porta de madeira que "sem ele não". Sentiu raiva de quem consegue fazer isso.
Saiu com a cara “não acredito no que acabei de ver” e logo achou o rapaz com quem tinha acabado de fazer o sexo casual muito normal. Ele segurava a bolsa e disse “Achei melhor ficarmos de pé, assim podemos dançar e beber mais”. Ela quase morreu ao ver que a mesa que estavam sentados agora era ocupada por outras pessoas. Ela tinha certeza de que não conseguir ficar de pé pelo resto da noite. Olhou bem para a cara dele e disse “Você é um porra de um imbecil. Como é que entrega a mesa para outra pessoa. Tá louco? Acha que eu tenho condições de ficar de pé o resto da noite?”. Ele com certeza se espantou com tanta agressividade, o que teria acontecido com a moça no banheiro logo depois de um sexo assim, tão anos 80 com novo endereço? “Quer saber: louca é você e vai-te à merda”. Jogou a bolsa nas mãos dela e saiu do bar. Ela ficou olhando as costas do rapaz, dizendo um adeus baixinho para alguém que poderia ser uma boa companhia para continuar bebendo ou até mesmo o seu PEDRO.
No balcão do bar, chamou o barman e disse “Eu quero um Pedro”. “Não conheço nenhuma bebida com esse nome”. “Inventa então, põe tudo o que você quiser aí e batiza a bebida de Pedro’”. Um bom barman diz o que? “Ok”. E fez a mistura que queria, com as bebidas que imaginou parecerem com Pedro.
Todas as cores. Vermout, daikiri, campari, Martini, vodca e mais algumas coisas que davam cor ao copo. Pensou: “Cada um com seu Pedro”. Ela ficou olhando, mas sem na verdade identificar cada uma delas. “Aqui está, seu Pedro”. Ela olhou bem para o copo, que era longo e a bebida multicolor, abraçou o copo com as duas mãos e disse : “Sem você eu não vivo, sem você eu não quero, sem você eu não faço sentido” e virou o copo todo de uma vez. Engolindo Pedro. Ela queria uma overdose de Pedro. “Quero mais um Pedro, meu amigo, e com duas pedras de gelo”, disse ao barman já com a voz embargada pela bebedeira e pela vontade de chorar.
Ele fez outra bebida. Ela agarrou o copo e começou a lamber o vidro que ainda suava o gelo. Massageava o copo longo dizendo bem perto: “Pedro, sou pra você assim como você é para mim”. Mais algumas frases e o copo já estava vazio. O barman, com cara de barman, pensou uma vez o que deveria pensar milhões em noites como aquelas: “Essa é louca mesmo”.
Depois de mais três Pedros e da música que agora já não era tão alta ela decidiu ir embora para casa. Dirigir seria impossível, mas iria tentar. Subiu as escadas, com a bolsa numa mão e a chave do carro na outra. Sabia que não deveria dirigir, sabia que seria a pior escolha para aquela noite, mas não resistiria.
Queria Pedro, queria ser alguém para o Pedro, queria que o Pedro fosse alguém para ela, queria querer um Pedro do tanto que se quer Pedros. Abriu a porta do carro inconformada de não querer ser por alguém. De estar bem por ser por ela mesma. Aquilo doía fundo, machucava o peito, chegava à alma mesmo. Era uma dor tão grande que ela começou a sentir o braço formigar. Mas já não podia dizer se era o Pedro ou o álcool. Opa, os dois, em algum momento da noite foram a mesma coisa.
Enquanto abria a porta do carro, cantava alto e bêbada, “Eu quero um Pedro, eu preciso de um Pedro, eu quero querer um Pedro. Pedroooooooooooooo meu, cadê você, abaixa a música e vem aqui Pedro, eu sou pra você, sem você não quero, Pedro”. Alguma amiga lhe dissera há uns dias atrás que era romântica, que queria ser par. Ela rira no dia. Mas agora, com a possibilidade de Pedro, também queria ser par. Para sempre par com Pedro.
Colocou a chave na ignição, olhando-se no retrovisor. Via a imagem de uma mulher que poderia chamar-se Sabrina, se fosse mais livre. Poderia querer Pedro como só Sabrina sabia querer até então. As músicas não iriam mais incomodá-la. As escadas ficaram mais baixas, as casas mais perto, a comida mais quente, a luz mais acesa e a janela mais aberta. Devagar, como quem olha para o movimento das mãos e dos dedos controlando qualquer erro, ligou o carro e foi, acelerando cada vez mais e mais para chegar em casa. O medo de estar dirigindo naquela situação deu uma brecada na bebedeira e ela sentia-se um pouquinho mais em condições de dirigir. Mas o Pedro não saia de sua cabeça.

“Eu quero um Pedro para amar, eu quero ser par, eu quero chegar em casa e me desesperar se Pedro não estiver lá. Eu quero morrer de saudade de um Pedro, eu quero que meu estômago aperte ao ver o Pedro. Eu quero chorar pelo Pedro, quero morrer se for preciso, pelo Pedro”.

E cantando o Pedro assim dirigiu da Barra Funda ao Jardins, onde ainda lembrava-se morar. Entrou na garagem no prédio e estacionou como podia. Desceu correndo, entrou no elevador rezando para o nono andar chegar e ela poder vomitar todos os Pedros e tequilas que tomara.
Quando abriu a porta, uma coisa estranha. Tinha deixado a luz apagada, e a luz estava acesa. Um tremor horripilante tomou conta de seu corpo todo. Não conseguia se mexer, ficou encostada à porta, com as pernas tremendo e pensando no que fazer. Olhou tudo em volta e parecia normal, não fosse também o cheiro de café que se espalhava pela casa. Desesperou-se: havia alguém em sua casa. Atreveu-se a chegar até a cozinha: ninguém. Só o café na cafeteira, que tinha sido ligada há pouco.
Seu corpo foi gelando, ela tremia o tremor dos sem-Pedro. Pensou em ligar para a mãe, para a polícia, mas antes de criar esse caso todo precisava se certificar de que casa tinha sido mesmo invadida. Podia ter esquecido a luz acesa. A cafeteira ligada. Estava bêbada e a música tinha estado alta noite toda, não tinha como ter certeza. Entrou no quarto e a cama estava desarrumada. Mas poderia ter deixado assim, o que era comum. As pernas tremiam, o coração disparara tanto que a bebedeira tinha passado. Sentou-se na cama e pensou na quantidade de medo que estava sentindo. Estava apavorada. Apavorada. E se fosse um fantasma?
Às vezes tinha medo de fantasma. Não que acreditasse que eles existiam. Mas tinha medo. Jogou o corpo pra trás e quase relaxou, quando ouviu o barulho da chave entrando na fechadura da porta da frente. Ali o medo atingiu um ponto de o sangue gelar, da cabeça parecer inchar, os braços estavam inaptos para o movimento, as pernas até doíam de tão bambas que estavam e o coração estava barulhento. “Quem pode ser? Vou ter que chamar a polícia”. Ouviu os passos entrando pela sala, colocando qualquer coisa na pia da cozinha e se aproximando do quarto, onde ela estava. Um passo mais perto e ela pensou que fosse morrer, agora não com os ouvidos explodindo, mas com o coração. Mais um passo e ela começou a chorar. E é em horas de medos extremos que decidimos reagir. “Quem está entrando?”. Para sua surpresa, veio a resposta: “Sou eu o Pedro, saí pra comprar açúcar para o café, você deve estar precisando”. “Estou mesmo precisando, Pedro”. Ela respondeu. Bêbada e definitivamente precisando de açúcar.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Hoje


Peguei estrada longa. “Dirigir pra frente”, me dizem. O sol estava nascendo, ofuscou minha visão. Segui com a sorte de saber que chegaria. Fui quilometro por quilometro montando o quebra cabeça de criança com mesa grande, porta alta, cadeira baixa e cama desarrumada. E não me diga que não me viu. Emoldurei-me à tua frente, para transformar-me em para sempre.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Me´s - Eus


I told her:

- I´m a litlle like you.

She looked at me, so angry she was warm and answered like spitting:

- You´re nothing like me. Do not compare yourself to me.

I was scared. Insecure. I even felt my eyes blinking.

- Are u telling me u are much better than me?

- Yes I´m. Do u have any doubt?

Couldn´t stand. I don´t doubt. I have no patterns of better or worse. I´m no one under the rain. I don´t have my bit under the sun. My arms skake at the end of the day. But to hear that, meant?

- I do doubt. But lets leave the way it is. I´m not gonna look up to you anymore. I leave u then.

- Took you too long, she celebrated.

I did go. Left me behind and went after myself.




Ps.

Disse à ela:

- Sou um pouco como você.

Ela me olhou, quente de brava e respondeu como quem cospe:

- Não é nada um pouco como eu. Não se compare comigo.

Fiquei com medo. Insegura. Senti até o piscar dos meus olhos.

- Você está querendo dizer que é muito melhor que eu?

- Sim, estou. Você duvida?

Não aguentei. Não duvido. Não tenho parâmetros de melhor ou pior. Não sou ninguém na chuva. Não tenho meu lugar ao sol e meus braços tremem ao final do dia. Mas ouvir isso, assim, salivado?

- Duvido. Mas vamos deixar assim mesmo. Não vou mais procurar identificação com você. Te deixo então.

- Foi tarde, ela comemorou.

Fui mesmo. Me deixei pra trás e fui ser eu mesma.

sábado, 9 de agosto de 2008

Então choro


Então eu choro, porque dizer as lágrimas, eu não sei.
Então choro.
Choro primeiro por dentro, daquele jeito que dói a testa, o nariz, arde a garganta e os olhos parecem ter areia, que não é da praia.
Estalo os dedos, tento me controlar e por vezes até ofender, para o choro não virar verdade.
Mas vira.
Pára a ardência e as lágrimas saem.
Escoam pelos olhos de quem vê.
Escoam lágrimas do meu mar de não saber.
Escoam misérias de não traduzir sentir.
Quisera eu saber dizer as lágrimas para não ter que chorá-las. Quisera eu!
Choro longa. Verbo que invento porque posso, porque choro, porque lágrima minha.
Já disse aqui uma vez que minhas lágrimas são longas.
Esqueci de contar que não as enxugo.
Não paro o riso no meio, não posso interromper o choro.
Uma lágrima tem o direito de percorrer seu curso, que também não é de rio, mas desagua.
Não uso lencinho que vem da prateleira que traz o cheiro do fim.
O salgado da boca me consola como abraço de mãe.
Caminho percorrido que me inspira ir para o próximo capítulo.


Foto by Baalthorn- deviantart

sábado, 2 de agosto de 2008

ESTOU DE MUDANÇA


Num silêncio mortal disse a todos que não suportava mais. Teria que ceder aos meus gritos noturnos e me mudar. Mudar-me para o mato. Para onde as árvores falam, quando quero ouvi-las, para onde as galinhas elocubram, quando tenho paciência, para onde os pássaros me acordam, nos dias em que acordo. Num silêncio lancinante disse a todos que basta! Para mim aqui não dá mais. Estou de mudança para onde o rio corre e eu ando, para onde as flores crescem e eu padeço, para onde os sapos aparecem e eu chovo. Num silêncio provocativo disse a todos que não suporto mais. Tenho que mudar para o mato da mata, onde se não mato, morro. Para o mato das frutas, onde me alimentarei de amarelo manga. Num silêncio filho da puta me rendi e disse a todos que não fui feita para nada disso. Que a chuva um dia me pega e meu pulmão cheio de fumaça não vai resistir. Num silêncio compartilhado com todos disse que preciso ir sozinha, já que minhas lembranças tão retangulares me acompanham nas linhas retas que escrevo palavras tortas. Jurei a todos que vou bem. De mala de pano, carro quebrado e carta vencida. Com seriedade de uma menina moça disse a todos que desisto de tudo isso aqui. Riram de mim, como quem ri de loucuras. Riram de mim, como se a ajuda estivesse às minhas mãos. Mas não importa, eu encontrei uma arara na feira do bairro e vou levá-la comigo. Capaz de eu me ambientar antes que ela. Seria engraçado levar uma arara para uma chácara e acabar matando-a. Seria engraçado. Mas é isso, quero viver a parte engraçada da vida. Quero rir de todas as minhas dores. Não quero mais ninguém as lendo. Não quero mais feedback. Quero ir. E vou amanha de manhã. Assim que acordar de todos os chás que tomei estarei pronta para partir.
Não vou me despedir. Despedidas são mentiras. Alguns amigos são mentiras . Alguns amores não existem. Eles subexistem de palavras vazias, de discursos já prontos e de necessidades alheias de dizer te amo. Cansei de tudo isso. Quero a vida de verdade. Quero o que posso ter sozinha. Quero minha arara e o que mais eu encontrar por lá. Vou só. E não tenho ainda onde ficar. Devo bater na porta de alguém. Alguém que tem um teto que pode abrigar loucura.
-Ola meu senhor, tem lugar para mim ai?
- Tem sim, moça, mas a casa é simples.
- Que bom, pois minha vida não é. Posso ocupar o seu espaço com você. Te ajudo a plantar e colher já será um problema seu.
-Não entendi bem o que quer moça, mas se precisa de um lugar para dormir e comer, pode ser aqui mesmo.
- Com licença vou entrando. Vou entrar na casa estranha, de pau a pique e vou colocar minha mala de tecido Vou contar para ele que tenho uma arara no carro. Vou fazer um montinho com as minhas roupas no chão mesmo. E vou deitar numa cama com cheiro de terra batida. Vou me sentir bem, sem pedir desculpas. Vou ocupar o lugar com ele até sair dali para outro espaço. Nos dias em que me sentir bem, vou acordar cedo e tirar leite da vaca. Odeio leite. Mas tenho que me alimentar. Tenho me alimentado mal, de coisas que não engordam, alimentam com a preocupação estética. Alimentam meu cérebro de sossego e meu corpo de ausência. Então vou tomar leite de vaca. Vou comer o queijo que esse senhor deve preparar. Vou passar os dias descalço, machucando meus pés da cidade no mato em que vou viver. Vou mexer com bichos e quem disse que não vou abraçar uma árvore? Vou sim. Abraçar, dizer que a amo e que estarei sempre perto dela. Ela não espera ouvir nada de mim. Não vai se decepcionar. A noite vai chegar anunciada pelo ventinho frio que vai bater nessa pequena chácara que não é minha. Vou procurar uma roupa mais quente e uma bota e sentar na cadeira ao lado desse senhor e acender um cigarro de palha. Vou fumar sem me preocupar com o meu pulmão, como já não me preocupo agora. Umas nove da noite ele vai fechar a janela do quarto dele e eu vou dormir com a minha aberta. A arara já fugiu. Deixei ela solta e ela não sabe de nada, arara burra. Só porque é arara não precisa ser inteligente. Ele é poligâmica e burra. - Deixa a arara fugir moço, de onde veio essa vem muitas mais. É na feira lá perto de casa, onde a comprei numa gaiola. Mas não comprei para prendê-la mais não. Deixa ela procurar o caminho dela como estou procurando o meu. Deixa ela moço, deixe-a ser feliz. Se é que arara é feliz. Vou dormir um sono limpo, de ar puro. Mas vou continuar com meus pesadelos de ar sujo. Vou relaxar até os pássaros começarem a cantar. Ai vou me levantar e colocar o mínimo de roupa possível. Vou caminhar e procurar uma cachoeira para me banhar. A caminhada tinha que ser longa, eu sabia. Recusei ajuda para acha-la agora me perder ficou mais divertido do que achá-la. Pode ser que por aqui tenha cobra. É muito provável que tenha. Dessas que picam e matam imediatamente. Cobras de verdade.
Mas não estou com medo. Estou completamente sem medo. Estou aberta ao tempo. E que ele dure o quanto tiver que durar. Vi a cachoeira. É grande e os respingos que chegam até mim são gelados. Exatamente isso que eu estava precisando. Um grande banho de água gelada. Pulo nua na piscina que se forma embaixo da cachoeira. A água é turva, nada de azul. Vou caminhando para debaixo do chuveiro que a cachoeira faz e deixo toda a água cair nas minhas costas e na minha cabeça. Só quero me molhar. Te peguei hã? Pensou que eu quisesse lavar-me de um monte de coisas. Não seja tolo, não conseguiria fazer isso nessa cachoeira. E não tenho nenhuma expectativa que essa nova vida me lave da antiga. É apenas mais uma vida. Uma vida mais simples. Nado até meus braços não agüentarem mais, mergulho a cabeça e deixo meu cabelo se espalhar pela água,ficar grande mesmo. Uma delícia a água e eu. Sempre uma delícia esse contato.
Um dia me disseram que o mundo vai acabar em água. Ficarei feliz de morrer nadando e depois afogada. Pior se o mundo fosse acabar em fogo. Estou com frio, melhor voltar para a casa onde estou ficando. Não me perdi no caminho de volta. Sou assim, depois que faço uma coisa uma vez, está feito, aprendo e posso repetir. Chego à casa simples, do homem simples e ele preparou um peixe com batata colhida ali para comermos. Gentil esse homem, ele nem me conhece e não paguei nada para estar ali. Sentamos à mesa, que é feita de caixas de frutas e no chão. O peixe está uma delícia, a batata, com casca e tudo tá com gostinho de queimado, de quem deixou passar o tempo. Uma delícia. O homem quer conversar, fez esse jantar porque quer conversar:
- Por que a senhora está aqui?
- Não sei, mas isso é importante para o senhor?
- Não, mas deveria ser pra senhora.
-Estou disposta a pagar pela minha estadia. Mas gostaria de ficar mais uns dias se fosse possível.
- Pode sim moça, mas não precisa pagar nada não! É um prazer recebe-la.
Que coisa estranha, esse homem não me conhece e tem prazer em me receber. A vida funciona mesmo mais ou menos assim. As pessoas que tem curiosidade em nos conhecer tem o prazer de nos receber. As pessoas que já nos conhecem, nem tanto. E eu não vou voltar para trás. Não volto para onde me conhecem. Para onde tudo está tão confuso que minha cabeça dói, meus pensamentos paralizam e eu fico sem ação, com cara de boba na frente dos outros. Ficarei por aqui até que um protomutante venha me buscar.
Publiquei esse texto no meu outro blog http://www.essepapo.nafoto.net/ há uns meses atrás. Mas trago ele pra cá! Não sei porque, acho que o lugar dele é aqui.