segunda-feira, 29 de setembro de 2008


O dia de hoje está passando. Vai passar e eu estou ficando triste a cada minuto que não tenho mais. Uma música linda que está acabando e eu sei que não posso mais ouvi-la pois o cd vai estar riscado. Cada dia se auto destrói assim que acaba. E eu olho no relógio, que puxa os meus olhos e quase choro. E a lágrima quase molha o rosto que daqui a pouco não será mais o mesmo. E lamento.
É música de lamento de hoje. Não de ontem nem de amanhã. É de agora que agora mesmo já é o que passou. É triste gostar do que existe por tão pouco tempo. O tempo de agora existe por tão pouco tempo. Já foi. E a família foi toda embora, a porta ficou aberta, os copos sujos, os pratos empilhados e começou a chover. Uma chuva fina, que cada gota cai devagarzinho, demora um tempo grosso pra fazer furo no chão. Dessa chuva de lamento. E uma voz grossa toca no rádio que daqui a pouco se despede de mim também.
Lembro-me que esqueci de dizer tchau pra o que já foi. Fiquei aqui sentada, achando que não fosse acabar. Agora me inquieto porque já acabou e estou sem nada nas mãos secas. Minha maquiagem está borrada, meu batom está gasto e minhas palavras não são mais aquelas. Agora são essas aqui, ó. Veja só como são minhas palavras, elas falam de mim e do mundo meu que é pequeno porque quero pequeno. Meu mundo é do tamanho que quero que o mundo seja. Amanhã mudo de idéia. Depois que o tempo passar eu mudo de idéia e faço-o parar de novo numa idéia que será a maior novidade da minha vida, de novo. Sempre é. É sempre o que vai me salvar. E nunca me salva. Essa coisa de eternidade e salvação é uma perdição.

Foto by *irrr - deviantart

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Bye,bye




Vazio que ficou de um mundo de mentiras pregadas na parede do quarto cheio de livros. Ficou vazio, não é surpresa e é triste dizer, ficou vazio. Vazio de bolha de sabão e agora tenho coragem de furar a bolha e o vazio deixar de ser.
Sinto muito, preciso ir a outros parques, brincar outros brinquedos. Ouvir outras músicas, beijar outras bocas. Outros porque não eu e nem você. Isso é química que deu errado. Nossa soma nunca deu certo. Sempre teve sobra, sempre arestas irreparáveis. Agora dizem que sou menina sentada embaixo da mesa. E sou. Esperando a bronca de alguém, que talvez seja a minha mesma, por deixar o quadro pendurado na parede for so long.
Alguns copos depois e eu nem vou te contar mais nada. Serei peixe nadando em outro aquário, daqueles vermelhos bravos. Serei saia preta curta, serei pernas longas, já que as minhas não são. Serei salto alto e batom retocado a cada quinze minutos. Vou tomar tantos copos quanto eu conseguir. E você sabe que eu consigo um monte. Vou cantar em inglês bem alto, até alemão eu quero tentar falar.Só quero aprender uma palavra, aquela que me deixar mais livre, assim como sempre fui e por um tempo me esqueci. Você nunca me prendeu, minhas mãos não param quietas, a algema não alcança, meus braços chacoalham como em axé na Bahia com vontade de viver a vida dançado. Essa pecha de triste é literatura. Metáfora pra uma vontade maior que está escondida num lugar que estou quase conseguindo alcançar.
Vou usar anéis antigos e meu famoso batom roxo. Sabe que adoro perfumes. Cheiro de todo mundo no meu suor. Assim, mulher livre e com vontade de carne. Sem vergonha? Vergonha é feio. Muito feio, seu moço. Não tenho dessa não. Era inevitável, nos sabíamos disso. Mas somos infantis, eu ainda uso saia rodada e você shorts. Chego a ter uma dozinha de nos dois, mas passa quando olho a cidade daqui de cima. É tarde e a cidade dorme. Essa aqui dorme. Eu não durmo, nunca dormi. Nasci sem dormir e vou morrer acordada. Uma benção que um anjo engraçado me deu quando nasci. Vou aproveitar o tempo acordada pra criar. E criar é mais que escrever, pintar e costurar, te digo. Vou criar. E numa dessas vou encontrar a alegria passando, vestida com um roupa parecida com a minha, mas de chapéu. Tenho certeza que a alegria usa chapéu, ela tem que usar. E vamos rir juntas.Ela vai me dizer que se tivesse ficado parada no mesmo lugar ela teria me achado mais rápido. Quem mandou eu rodar tanto, não é? Essa vontade de botar o olho em todas as janelas do mundo me levou até você. Jogamos as coisas da janela. Valeu. Mas acabou. E sobre amor não se escreve, principalmente quando ele acaba. Mas se escreve sim sobre os próximos.
Vida nos plurais. Cadê todo mundo? Me perdi e agora me encontro rapidinho. Aquele velho instinto de sobrevivência. Lembra quando nos perdemos em Southampton? Um senhor negro, de barbas brancas e cara de anjo, que parecia saído de um filme, nos encontrou. Ha hahah. Quem terá sido aquele homem que nos deu um carro para que pagássemos depois? Essas coisas acontecem em vida que tem mágica. E a minha tem. Dessa cartola aqui saem outros coelhos. E você não fala minha língua. Literalmente. E eu não sei como se ri em texto assim. Só conheço o hahahaha. E agora estou cheia dos hahahahas porque vazia de você. A vida é assim mesmo. Uma lua depois da outra a as pessoas mudam e alguns sentimentos se transformam, outros acabam. O nosso acabou. Amém a nós todos.




Foto: Party_Crasher_by_bexe.jpg

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Assentamento


Calma, calma. Não ria tanto. Quando o nervoso bate, põe embaixo da língua. Fica séria. Faz pose. Não passa vergonha. Reconheça os objetos. Não se perca. Segura em algum galho.
Calma, calma. Se tiver que perder o amor, vai perder, não vai dar para segurar com a mão. O amor está longe. Controle? Nenhum. Então calma, calma. Vá no seu ritmo. Escolha suas matérias, faça os seus cursos. Os rios correm, são paulos também. Avalie antes de se entregar.
Calma, calma. Eu conheço sua dor, pense que não. É dor de alma. E estamos falando de alma sempre, por mais que você duvide. É dor de subir nas paredes feito formiga grande. Eu sei da sua dor, é minha também. E não diga besteiras. A janela não está aberta, eu vi o vidro fechado. Não precisa ter medo.
Calma, calma. Olha, a vida passa, as horas são únicas. Não se afobe, mas viva. É pouco, eu sei , mas é o que tem.Vai dar pra ganhar não. O jeito é achar o equilíbrio. Caindo desse jeito vai não vai conseguir.
Assente-se.




Foto:Siting_in_the_dark__by_PinkPenguin

domingo, 21 de setembro de 2008

Moço do telefone


Quem me dera tivesse eu o equilíbrio de poder dizer daqui meia hora o que disse meia hora atrás. Quem me dera? Me dera nada. Dera, era, mera, gera... nada. Quem me dera nada. Quem me dera de tudo.
Vida arrebentando os tubos de tão larga. Isso, larga a vida. Larga....... Quem dera. Eu tomando picolé nas ruas de Paraty, andando de mãos dadas com o homem que mudou de continente porque tempo também é espaço. Quem dera.
Eu não tenho como fazer com que as coisas fiquem assim boas, quando estão boas. Minha mão é torta, elas escorrem. E eu não retorno a ligação da minha avó, quase desligo na cara da minha mãe e queria que o cachorro desintegrasse ao meu lado. É uma vontade de não estar. E não me venha falar de ocupar não-lugares, pois eles são lugares reais onde o blues toca igual e os amigos desistem de quem sempre dá os canos. Eles desistem.
Eu não tenho celular, se tivesse configuraria para NÚMERO RESTRITO só para não saberem que fui eu que liguei. Não preciso mais me identificar. Às vezes até desligo na cara da pessoa que atende porque esqueço que não estou com vontade de falar com ninguém e os dedos me traem, procurando ouvidos.
Fico me imaginando 50 anos atrás com um vestido bem bonito e uma caneta tinteiro e um caderninho que compraria sempre na mesma loja. Eu seria assim. E agora, talvez já estivesse morta ou bem velha, o fato é que nada disso importa. Ando não dando importância para o sentido. Alguns me entendem e aí me lêem. Ai que vergonha de quem me lê. Tenho mesmo. Fico sem graça imaginando que minha loucura é pública de blog, com imagens para dar o frame e música para dar o clima.
E eu disse a ele que não vou mais. Preciso ser mais urgente. Quero que morram de saudade de mim em meia hora sem me ver. Quero que peçam bis e eu vou estar bem escondidinha atrás da cortina vermelha.
Hoje gastei um tempão olhando para o céu. Um tempão. Céu, teto, teto céu. Confundi os dois. Nem sempre tenho clareza e discernimento. E falo de coisas simples. Hoje eu tomaria um sorvete, tomaria mesmo. Mas não vou, e anos 80 me fazem companhia.
Assisti a um filme que a mulher se chama papoula. E eu não sei o que é papoula, nunca vi uma. Só fiquei imaginando que a mulher polpuda. Meio líquida, cremosa, cheia de coisas por dentro. Uma mulher macia. Nem prestei atenção no filme da mulher papoula. Porque não presto atenção nas coisas quando estou assim, não consigo. E a hora passando me angustia, me deixa cheia de dúvidas e só quero dormir e chorar. Deitar no colo do moço no telefone. Não toca mais.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Alegria costura pano de prato, e isso é bom


Achei que deveria escrever palavras de alegria. Da alegria que arrebata, faz a mandíbula doer, os olhos brilharem. Alegria, sabe? Como criança com mangueira, chocolate derretido no abajour, como banho de mar com chuva de verão, lua cheia de férias na praia. Livro novo ganho no Natal? Macarrão com bastante queijo ralado. Um bom vinho e um papo que não acaba.
Uma nota de cem reais escondida no bolso da calça no final do mês. Um amigo querido que chega de uma longa viagem. Abraço de mãe quando o mundo parece que vai acabar. Cachorro balançando o rabo quando chego em casa?
Alegria. Essa mesma. Eu também conheço alegria. Assim, profundamente. Ela é colorida, toca música, tem imagens felizes, costura panos de prato que enfeitam os almoços de domingo, com mesa cheia. Isso é alegria: mesa cheia. De comida e de gente amada.
Um bom livro, um bom filme. Um não, muitos deles fazem minha alegria. Cheiro de biblioteca, hum.... Uma bolsa nova e bem cara, daquela que a consciência pesada não ganha da alegria. Irmão que mora longe e chega de surpresa? Alegria pura. Pé no chão, na areia, na grama? Alegria. Beijo na boca, sexo com música, sem... alegria. Ufa.... quase não consegui. Alegria é coisa difícil. Deu certo? Vou continuar tentando. Não percam a paciência.


Foto: Love summer and hapiness by ~Anchy-Kaliz

Estrelas mentirosa, deuses surdos



Do meio pro fim. Inédita comiseração. Inesperada inércia. Cada dia de vento traz a ausência. Cada olhar de longe, o lamento. Um quê blasé de batom vermelho.
Comprei uma bota que não posso usar, pensei palavras que não consigo lembrar. Dormi um sono tolo. Sonhei, mas esqueci. Acordei sem vontade de brigar porque a noite foi clara. Me disseram que pareço mais nova e eu fingi acreditar. Tolice! Meu tempo está passando. Joguei jogos de perder e uma estrela me contou que ganharia. Errou. Estrela boba, chata e feia.
Respirei amor dos outros. Nenhum era meu. O que é meu está guardado e tão bem guardado que não posso achar. Me deixo enganar por formas geométricas que brincam de mudar e eu vou mexendo sem nem tocar.
Me repito. Peço, imploro, rezo, oro, faço vodus pra esperança cega me abençoar. Nenhum deus me ouve.




Foto: Geometrics by ~Cordain

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A dor da alma que fica em silêncio



Dizem de alma, de coisas que não sei ver. E eu só fico no toque e no derramar de água. Dizem de alma e eu pego um banquinho, subo e faço meu protesto. Nada de mais pão e mais circo. Reclamo por mais palavras. As linhas andam muito longas e eu não as consigo preencher. E falam de alma. Coisa que me intriga, como corpo de morcego, que nunca sei como funciona. Não sei se apago ou acendo a luz. Enquanto escrevo meu cigarro apaga e eu penso na alma. Procuro um médico de alma então? Ô doutor? Tem algo errado com minha alma. Sim, minha filha, tem sim, mas não posso fazer nada com sua alma. Então não resolve. E continuam falando de alma.
Eu falo de corpo, de química, falo daquilo que me toca porque o toque me dói, a alma, se há, me está longe. E obrigatoriamente por ser eu estou sempre falando de dor. E o médico de alma poderia me perguntar: o que te dói tanto? E eu diria: ser eu. A minha escolha, um plano B, ser outro alguém. Já tentei, parece que doeu ainda mais. Sigo a minha trilha mesmo.
E parece que alma é troço sagrado. Será que é só porque não vemos? Será que para ser sagrado tem que ser invisível? Eu quero tratamento pra aqui e agora, para o que vejo e sinto. E tem árvores a minha volta e eu não consigo abraçá-las, me falta alegria pra isso. Me falta vontade do pote de sorvete, me falta voz pra acordar cantando, me falta azul pra sair sorrindo. É alguma mancha na minha alma?
Estou quase então entregando para o sagrado. Assim não entendo.
-Mas você está simplificando demais isso tudo.
-Simplificando não, to é complicando. To com dor e aqui falando de alma.
-Pensa positivo.
Esses dias pensei linhas, novelos coloridos. Pensei em fazer um cachecol, com minhas mãos, costurar o calor e dar pra alguém. Mas o calor meu chegando ao outro também não é algo simples. Aí tentei uma idéia mais simples, pensei em dizer apenas que gostava de alguém e lembrei que por causa disso meu mundo poderia cair. Resignei-me à dor de ser eu mesma e ameacei-me com o silêncio de quem finge dormir. E dormir também dói, pense você que não dói não. Dormir é foda, é coisa pra quem tem coragem.
E falando em alma e coragem, olhar pra dentro é coisa de coragem. É coisa de pingüim que quer sobreviver. E eu vivo pulando pedras, sempre com medo de cair na água e ser engolida. E tem dias em que me engulo. Isso, assim. Engulo a mim mesma numa crueldade de dar dó. Se me visse ao espelho enquanto faço isso me daria uma bela punição.. e não para a alma.
E assim pensando em almas, em segredos, em coisas simples, em olhar pra mim, me presentear, me punir, vou tentando acordar de um sono que não dormi. De um sono que foi puro fingimento de quem não sabe o que dizer.


Foto: lonely by ~Cesset


Não sei mais escrever. Estou dormindo.


Foto de: wallride13

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Sobre amor não se fala



Primeiro Ato
Escritora em crise. Cansada da casa, do escritório, do computador. O aquário está sujo. Os peixes morreram. O cachorro fez xixi na poltrona. Fede. Escritora com fome de comida que não tem em casa. Escritora em branco. Escritora não pode dirigir. O carro está quebrado e ela não tem dinheiro para consertar. No seu limite, conta o dinheiro na carteira e chama o táxi, que chega em 15 minutos.
- Rua dos Saudosos, 126, por gentileza.
- Pois não.

Segundo Ato
Escritora bate à porta. Professor dorme. Mas são quatro da tarde. Escritora toca a campanhia. Detesta campanhia e toca novamente. Professor sonha uma conversa com Machado de Assis. Não abre a porta. Escritora se desespera e chuta a porta. E berra. Professor acorda assustado. Corre à porta.
- O que fazes aqui a essa hora?
- Preciso de você.
- Pra que?
- Pra conversarmos.
- Sobre o que?
- Sobre o amor.
-Você está brincando.

Terceiro Ato
Escritora e professor nus na cama depois de terem transado. Ele acende um cigarro, ela chora.
- Não disse que queria conversar sobre o amor?
- Mas acabamos de fazer amor, diz o professor soltando a fumaça.
- Mas eu quero conversar sobre o assunto. E tem mais: transamos!, chora a escritora.
- Amor não se conversa, se faz, responde sem paciência o professor e volta a dormir.
A escritora enxuga as lágrimas, abre a carteira do professor e pega um pouco de dinheiro emprestado. Chama o mesmo táxi que chega em outros 15 minutos. Não os mesmos.
- Rua dos Amorosos, 303, por favor.
- Pois não.

Quarto Ato
Escritora muito mais triste e menos branca volta para casa. Toma banho . Lava o corpo pensativa. Professor disse que sobre amor não se conversa. Ela acha que sim. Escritora sai do banho e não se enxuga, anda pela casa nua e molhada. Pega telefone e disca para o professor.
21012101
- Alô, atende o professor.
- Sou eu de novo.
- Me acordou.
- Você só dorme, é por isso que não conversa.
- Só durmo coisa nenhuma. Acabamos de transar, 3 vezes.
- Pensei que tivéssemos feito amor. Você disse que sim.
- Ok, tanto faz.
- Mas foi um amor do qual não se conversa, não é isso?
- Isso mesmo. Acho que você está sem inspiração para escrever. Está buscando palavras para um texto sobre o amor, certo?
- E se for? Que palavras você me daria?
- Essas que te dei na cama.
A escritora chora. Não precisava de inspiração do professor que dorme, para escrever seu texto sobre o amor. Isso seria quase impossível. Só queria mesmo era falar de amor. Falar, e era só isso, e precisava ser com ele, um quase desconhecido. Poderia ser antes ou depois da cama, por isso ligava agora.
- Vou desligar, disse a escritora.
- Ta bom, despede-se o professor.

Quinto Ato

Escritora, ainda mais cansada, senta em frente ao computador desligado. Poe a caneta em cima de uma folha branca. Acende o abajour e um incenso, já é noite. Um cigarro e prepara-se para um texto de amor, que nunca vai escrever. E não escreve mesmo. Mas rabiscos relaxam e ela se acalma. Duas horas depois está descansada.

Sexto Ato
Escritora dorme ainda nua, não mais molhada. Sonha com.....

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Em lugar público


No meio do parque fui pega sozinha,mas cheia de gente à minha volta. Eram vozes estranhas de espanto, sussurros discretos de nojo. Berros de asco não demoraram e continuei grande, sem poder ser carregada. Olhei para todos os lados, todos os caminhos me levariam para o mesmo lugar. Pra que sonhar? Eu não conseguiria escapar. Estava presa antes de ser presa. Prenderiam-me porque sangrei longo, num espaço público. E as vozes ficavam mais e mais altas. Matem a anticristo, eu ouvi. Vozes loucas. Eles são loucos e não eu, que sangro de vísceras que se movimentam enquanto sou. Anticristo nada. Cristo não está aqui para eu fazer oposição. Cristo morreu há muito e dizem que por nós. Eu duvido que por mim. Eu não existia.
Quem sabe se daqui por diante me algemam e me levam logo, assim acaba a humilhação. Que mal tem em sangrar e admitir que Jesus morreu?? Eu não sou nada além de animal vivente, ouvindo vozes raivosas, palavras que não conheço e que agora não posso aprender, pois estou acuada.
Quer dizer alguma coisa antes de ir, moça? Quero dizer nada não senhor. Arrastaram-me, com uma pequena multidão atrás de mim, usando daquelas palavras que não lembro conhecer. E não conhecer essas palavras me deixa livre para uma infinidade de definições que podem transformar esse momento de humilhação em alegria. Estou sendo levada porque sangrei e falei alto em lugar público. Partilho todo meu corpo com quem me arrasta. Deixo-me encostar e assim sou levada. Talvez eu devesse estar embriagada. Como da última vez que me embebedei. O caminho foi lindo, eu não estava só e experimentei um plural de alegria que me lembro bem. Agora uma grande tristeza começa a tomar conta de mim. Ah, sim estou sendo levada para um lugar melhor e minha boca está rachada em tantos pedacinhos. Deve ser por causa do sangramento em lugar público.
As pessoas ainda me olham e eu também quero vê-las. Quero ver a todos que puder. A vida me encanta, as pessoas são encantadoramente maravilhosas, mesmo as que me xingam. Porque são pessoas, porque existem, porque ficam de pé. O corpo humano e suas possibilidades sempre me encantaram. Lembro-me quando assisti à uma luta de boxe. Tantos murros, tanta violência, e o corpo que não cai. Resiste firme, de pé, para manter o mundo vivo. Cada corpo sobrevive para a vida continuar. O corpo não é egoísta. O corpo se dobra, me lembrei. E gritavam para que a anticristo que sangrou fosse presa. E a voz humana então? Que bela mágica isso é? Tons diferentes. Entonações emocionais. Minha mãe não muda a voz quando está brava comigo. Deve ser a única.
Não durmo há vários dias e talvez por isso não esteja entendendo ao certo o que está acontecendo, mas continuo encantada. Pode ser que para onde estou sendo levada eu tenha a chance de dormir. Como é importante para um corpo se esticar, relaxar. E pode ser que meus olhos fechem e eu me transforme em meus sonhos. A vida? É uma carta que ainda estou escrevendo. Partes à tinta, partes à sangue. E o sangue me traz punição. Queria encher meu coração de água do mar. Encher meu peito. Ser, talvez, socorrida e levada para o hospital, feliz e contente por estar lotada de água do mar. Sinto uma alegria absurda quando penso na água do mar.
Parece que ouvi uma voz amiga. Vocês a estão levando para onde? Opa, você veio me salvar? Não, acho muito bom que esteja sendo levada, só quero saber pra onde?Vou pra onde o que é meu não cabe, sua curiosa de merda. Sabia que você seria assim. Sempre me telefonou nos dias errados, sempre sumiu quando mais precisei. Vá, vá presa que é o melhor pra você! E você, morra de inveja, pois nunca vai sangrar como eu sangrei hoje. Fui freira pecadora em parque público e você foi apenas uma péssima amiga que me ligou em dias errados.
Estou dentro de mim e é um mundo que vejo. Quero lhes contar a minha maior dificuldade. Saber o que é ou não aceitável fora do meu corpo. Que cheiro faz parte do que pode? Escolho, seleciono e vou fazendo cortes internos que me permitem sensação. Conforme ando, sinto meus órgãos mexerem, reagirem ao movimento, mas nunca sei o que é aceitável.
Anda mais rápido moça, senão vamos ter que carregá-la. E essas pessoas que vêm atrás de mim? Estão no direito delas de seguir uma criminosa. Agora então sou criminosa e nem sabia. Continuarei errando. Enquanto meus olhos verem, enquanto eles piscarem os intervalos do que não posso, continuarei errando.
Sorri a todos, fiz isso na melhor das intenções. Intenções, hã?? Mas não sou compreendida porque não faço o aceitável. Minha cabeça tem caminhos tortos de medo e me defendo fazendo o inaceitável. Acho que estou sempre atrasada, quando não estou. Acho que nunca vai dar tempo. Tempo dá! Só que faço a escolha errada. Bato nos muros, como cega, bato nos muros. Tento tantas coisas. Para mim não existem limites. E sempre faço sorrindo, com a certeza de ter companhia. Como quando abri a jaula dos macacos. Pensei que estava certa, de verdade. Como quando era criança. Menina baixinha, sem dentes e dois rabos de cavalo. Pele fina e sandálias menores que meus pés. Como quando era menina. Me machucava e tinha certeza de que para sarar o machucado era preciso que ele doesse mais. Pensava assim: se doesse tudo o que tinha pra doer logo, não doeria mais. Então sempre apertei meus machucados, sempre aumentei minhas dores. Não sabia que a dor não tem a ver com prazo. Não importa se doer muito agora. Se tiver que doer por muitos e muitos mais dias, vai doer. Assim, essa eu aprendi. Mas de vez em quando ainda caio na tentação de faze doer tudo de uma vez aí eu sangro em espaço público.
Estão me levando, eu não sei pra onde. Nunca sei pra onde estou indo. Pelo menos as pessoas se afastaram e pararam de gritar. A raiva é mais ou menos assim. Já me insultaram bastante, agora podem ir em paz para suas casas de portas fechadas. Podem abri-las e contar a todos que fazem sentido, que são convenientes e conhecem os limites.
Eu admito, continuo sem limites e estou sendo levada para não sei onde. Sangrei em lugar público e isso é inadmissível. Deixei correr de mim o que tinha dentro. Ou todo mundo não tem sangue? Tem, né? Mas o meu sangrou muito. Eu achei que a dor fosse doer toda, depois passar. Vou acabar presa por achar que dor é pra se mostrar. Já vai moço, tô indo!

sábado, 6 de setembro de 2008

You know this footstep


É pra você. Pra você que está de longe, olhando de perto. Pra você que sorri pra mim sem me ver. É pra você, que faz graça do que sabemos. É pra você que sabe do que estou falando. O dicionário diz que amizade é afeto. E afeto é coisa boa, coisa lá de dentro do coração que nem sempre tem explicação. Afeto é amor, coisa cara, que não se conquista assim... É pra você que conto que amor é como receita de avó, colada na porta da geladeira. Amor é saber das coisas.

Eu até te odeio, mas sinto sua falta. Você, que até me encontrar não conhecia a palavra saudade. Você, que fala outra língua. É pra você que eu conto que ando sorrindo pra outros homens, com cara de quem sabe o que quer. É, é isso mesmo. Ando de portas aberta, janelas molhadas e dias claros. É pra você mesmo que eu conto. A rudeza da honestidade desnecessária. Não reclama não, te faço presente assim, pense bem. Pior seria se nem te contasse que ando usando saia rodada e sandália de sola nova. Ando de esmalte vermelho e boca pintada. Eu te conto, pode deixar. As coisas continuam sob o meu controle, mas eu te conto.

Sabe, se a saudade for muito grande ponha a cabeça embaixo do travesseiro e chore. Seja delicado, isso ajuda a doer menos. Seja bonzinho, saia à rua olhando árvores, folhas e pássaros, dessas palavras que usam em poesia. Caminhe uma poesia, passeie versos, pode te ajudar. Sem lamentar. Lamento é quase-conseguir. Quase não é nada. Não se entregue às meias palavras, às meias lágrimas. Faça tudo inteiro. Queira o que quiser, sinta-se livre pra andar descalço na praia, isso também é poesia. Sinta-se livre também para ser urbano. Beba muito, saia com amigos e mulheres, dê risada, seja você. E quando voltar pra casa, antes de chorar, tome uma xícara de chá pensando que eu poderia estar ai. Vou te contar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008


- Já nem brigo mais de amor porque o coração já se foi, todo!
- Então agora briga o que?
-Brigo nada não, por que estar aqui já está me custando a alma. A vida custa a alma e a cada golpe um grito surdo de dor e sangue.
- O corpo infla?
- Como você sabe? Infla sim. Infla de um ar quem não é puro, de uma presença que não é legítima. Uma invasão despudorada e agressiva de uma dose de dor redonda e infinita, naquele em formato de oito deitado, conhece?
- Sim, é o símbolo do infinito.
- É! As manchas agora são negras e vermelhas. E desconfiam que o vermelho é sangue, mas eu não confesso. Se precisar vou até me negar a falar.
- Você pensa que esconder-se adianta de algo? Não. Damos passos internos e enveredamos caminhos tortos, sempre com a mente em faísca. Você deveria morar num lugar com jardim.
- Sempre achei isso também, Já hoje tenho medo de jardim espaço aberto coisa respirando perto de mim. Já hoje tenho medo até de respirar
- Mas você sempre disse que queria sossego.
- É! Sei. O sossego não se mexe e o que é parado é perigoso. Tenho medo de necrosar, ter que amputar. Isso definitivo de não ter mais cura.
- Não precisa pensar assim. Uma benção depois de outra e de outra.
- Que benção que nada! Ninguém abençoa, isso é ciclovia de pensamento. Pouco espaço no chão e por isso deixa o rastro fininho que se perde em pouco tempo.
- Credo, você diz cada coisa.
- Você não sabe o que eu sonho. São tantas as cores e tantos caminhos que percorro que duvido que minhas pernas podem fazer aquilo. Mas disso nem te conto, você não merece. Merece sossego.
- E quantas cores você acha que têm os meus sonhos?
- Não sei, sou egoísta, falo apenas de mim, achando que o importante é aquele que me entende. Que significativo é aquilo que me espelha.
- Juras que pensa isso?
- No fundo não. No fundo um dia sei que não é nada disso. Mas agora não consigo mais escrever.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Ding dong


Pára, sua ordinária, pára que daqui a pouco essa palavra não tem mais acento. Pára na porta da casa, fique aí de pé, esperando alguém abrir . Depois me dará razão. Não vão abrir e ficarás com esse sorriso congelado, esperando o calor da porta aberta. Serás uma cena besta de filme bobo. E eu dou risada dessas cenas. Dou mais risada ainda porque a protagonista da asneira é você, sua boba. Ontem estava pensando exatamente nisso, que você chegaria aqui toda ingênua esperando que te abrissem a porta. Parece que eu previa a cena. Será isso? Será que você está ficando previsível. Como você é agressiva. Pra que me chamar de previsível, de tonta? Eu quero ficar aqui na porta com esse meu sorriso de quem gosta de sorrir. E você está com inveja da minha capacidade de esperar. Fica aí cuspindo sua raiva infantil. Então tá, continue esperando que eu vou-me embora pra ver aquele gado que te falei. No capitalismo me comporto como capitalista, vou comprar gado. E ainda diz que eu que protagonizo cena de filme bobo. Você não entende nada de gado e vai comprar bois. És tola também. Então tá bom, vamos sentar aqui na soleira. Espero com você pela porta. Vamos esperar juntas pra ver quem tem razão. Ding dong, din dong campanhia que ninguém atende. Ding dong som que ninguém ouve. Ding dong na sua mente esperançosa.
Ta ficando frio aqui, não está? É verdade! E acho que não vão mesmo abrir a porta. Ah, mas você me fez esperar até agora e eu perdi o gado que queria comprar. Vamos esperar mais um pouquinho. Ding dong na esperança do capitalista. Ding dong na esperança do ouro do tolo. Você viu quantas estrelas tem o céu? Vi, ta lindo mesmo. É, isso quer dizer que amanhã será um dia quente. Coisa de esperança. Mas olha, eu não quero passar a noite toda aqui, esperando o sol de amanhã. Então vamos desistir. Mas eu te disse isso muito mais cedo, que era tolice esperar que abrissem a porta. Se tivessem que abrir já teriam feito. Tá bom, eu me rendo, você está certa, vamos embora. Não dá mais pra ver o gado? A essa hora não. Ding dong na esperança de novo. Vamos comer alguma coisa então? Vamos, vamos comer um bom steak já que você não comprou o boi. Ding dong no gado. Ding dong. Esse carro está com um barulho estranho. É mesmo, só faltava o carro quebrar agora, nessa estradinha deserta depois de termos esperado tanto pela porta que não abriu. Eu te avisei, te avisei. Agora reza para o carro não quebrar. Podemos parar ali ó, parece bom. Bom nada, é o único, vamos parar. Um steak por favor, bem sangrento. Pra mim uma cerveja moço, depois eu como. Primeiro quero beber pra esquecer que estou até agora com essa tola, esperando por uma porta que não abre. Ding dong na fé. Ding dong na memória, ding dong na consciência. Por que você é tão agressiva comigo, me chama de nomes a todo momento, precisa mesmo disso? Não preciso não, mas estou com raiva por ter esperado tanto. Você não está? Não, esperei porque quis, assim como você, porque poderia ter ido ver o gado e me deixado lá, quem sabe eles não teriam aberto a porta se não te vissem ali? Agora está dizendo que não abriram a porta por minha causa? Era só o que me faltava, depois eu é que sou agressiva. Vamos fazer o seguinte, cancela os pedidos e vou embora pra casa, não agüento passar um minuto sequer desse dia com você. Moço cancela o pedido, por favor. Ding dong.


Foto de castanias, deviant.