quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O buraco vermelho


Disseram que ela olhasse bem no fundo do buraco vermelho, para que tentasse descobrir ali o que estava faltando para ela acordar. E foi assim que acordou. Assustada de vermelho. E o buraco estava ali, no seu quarto. Quieto, apenas sendo buraco. Bem devegar, ela cobriu o rosto com a coberta e ficou um minuto ouvindo a própria respiração. Lógico que estava era esperando olhar e o buraco ter desaparecido.
Mas se no sonho disseram que ela precisava descobrir o que tinha dentro do buraco para acordar, era sinal que ela ainda estava dormindo. Não! Beliscou-se e realmente estava acordada. Não tinha coragem para levantar-se e investigar o mistério do buraco vermelho. Tremeu. Uma vez só. É, treme-se uma vez só, às vezes, quando o medo é tão grande que só da pra tremer uma vez.
Pensou em gritar, alguém iria ouvi-la. E vir a seu socorro. Gritou, e muito! Mas ninguém veio. Como assim? Onde estavam as pessoas da casa, por que não a ouviam? Olhou os próprios pés, as unhas estavam ficando azuis. O corpo estava gelado. Será que estava morrendo? Gritou mais e mais, sem resposta. Sentiu uma umidade na camisola de pano branco que usava. Tinha urinado sem perceber. Era isso, estava morta! E desesperada!
Perguntou-se se há desespero após a morte. Não sabia o que pensar. Alguém vestido de branco viria busca-la? Iria para algum outro lugar, ou seu destino pos mortem era ficar naquele limbo pessoal e conhecido que era sua cama.
De dentro do mais dentro dela veio uma coragem imensa e ela pos os pés no chão. Surpresa, não sentia o chão! Acabou minha vida! Deitou de novo e se escondeu de novo embaixo da coberta. Aquele pesadelo tinha que acabar. Sim, iria então flutuar até o buraco vermelho para descobrir o que tinha ali, e assim quem sabe poder acordar. Flutuou e se sentiu livre olhando bem no fundo do buraco. E o que viu?? Viu a si própria dormindo.
Bateram à porta:
- Abre menina, está na hora de acordar.
E ela pos os pés no chão!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Não se vive tão intensamente


Era tarde de quarta feira e ela não gostava do meio da semana. Meio de semana é como bolo sem açúcar, vodca sem limão. Meio da semana é uma chatice. Saiu para andar, coisa que não fazia com muita assiduidade, pois não gostava da cidade em que morava. Mas isso já não importava mais, estava de mudança. Em breve não andaria mais essas ruas.
Mas nessa quarta feira andou. Pensando em tudo, como se estivesse partindo naquele dia e tivesse que se despedir. Um lamento talvez. Sim, porque mesmo quando a partida é voluntária, há sempre um lamento. Alguma coisa deixada sem viver. Mas é impossível não ser assim. Não vejo outro jeito. Mais hora, menos hora, temos que partir de algum lugar para outro e não vamos ter vivido tudo. Não se vive tão intensamente.
Tem também os que ficam parados. Mas isso é chato, esses já perderam toda a parte boa. Enfim, ela gostaria que aquela tarde fosse de outono, que são conhecidamente as tardes mais bonitas.
Mas não era! Verão naquela cidade era um inferno. Ela se sentia um pouco no meio do inferno, ou melhor, é como se o inferno estivesse um pouco dentro dela.
Um barulho lhe chamou a atenção, era uma batida de carro bem na esquina que já atravessara. Triste sair para caminhar e ver uma batida de carro. Gostaria de que cada vez que sentisse vontade de andar, a cidade se esvaziasse e as ruas ficassem só para ela. Para não ter que olhar, sorrir, botar reparo no sapato.
Quando era criança ia muito à missa, levada pelos pais , a quem hoje não sabe porque mas chama de híbridos. Óbvio que não prestava atenção ao sermão, mas sim no sapato das pessoas que iam entrando e sentando . E depois todos sentados, ela prestava atenção no cabelo das mulheres sentadas de costas para ela. Quando via o tempo já tinha passado e chegara aquela hora chata da missa onde se diz “Paz de Cristo”, e ter que dar a mão para algum desconhecido, adulto e que lhe botava medo.
O medo estava todo nela, assim como o inferno. Os homens da missa não deveriam ser perigosos, assim como as pessoas que encontra nos seus passeios também não.