domingo, 20 de abril de 2008

É tudo cena dela


Estou participando de um ensaio. Fui aceita para o papel. Vários testes doloridos, várias noites de desespero pensando no que poderia acontecer. Muito desacreditar e eu fui aceita para o papel. A personagem é toda minha. Já fiz isso antes, não vou negar. Mas esse é sem dúvida o maior papel da minha vida. È daqueles que mudam o ruma da carreira e da vida também. Por isso estou tão preocupada em me preparar melhor, em ensaiar direitinho, fazer tudo certo para que o figurino sempre caia bem. Tenho feito um esforço imenso para decorar minhas falas. Tem sido talvez a parte mais difícil. Não! Tem também a postura corporal, isso está difícil, já que sou uma pessoa desleixada. Manter a coluna ereta está me demandando um esforço sobre humano.
Disseram-me que tenho me saído muito bem, que esse talvez seja o papel definitivo da minha vida. Tenho acreditado. Tenho até sonhado com as falas. Esses dias mesmo me peguei repetindo parte do diálogo enquanto dormia. Estou empenhada.
Mas estou sofrendo de um problema sério de memória, já disse isso ao médico. Não sei se ele não entendeu ou se não pode fazer nada sobre o assunto. Devo continuar o meu tratamento independente da minha memória. Então, esforço redobrado.
Dia desses fui para o ensaio, estava vestida, no palco, em frente ao ator principal, quando esqueci completamente a minha fala. Fala essa que eu tinha ensaiado tantas vezes. Simplesmente esqueci. Olhei para cara dele e nada me vinha nada. Ele ficou me olhando, todos me olhando, eu pedi desculpas, desci do palco e sai pra rua, chorando. Isso tem acontecido com freqüência. E eu continuo carregando bolsas e lenços e óculos para disfarçar o choro.
Mas alguma coisa me dizia que seria assim: no meu papel principal, alguma coisa iria me acontecer. Eu iria ter um bloqueio, um não-mental que iria me impedir de mostrar que posso fazer muito bem o papel da minha vida. De alguma maneira eu sabia.
Sempre sonhei acordada mesmo que as cenas seriam fluidas, que os diálogos correriam fácil, que meu corpo se movimentaria conforme o do outro. Sempre sonhei isso acontecendo. E batalhei para isso. Agora, estou aqui, meio deitada, meio de pé, com as falas na boca, ou metade delas.. pensando no que fazer. Negar o papel ou continuar ensaiando?

4 comentários:

Narradora disse...

Continuar ensaiando... esquecer esse tal não-mental, porque você vai arrasar.
bjs
Ps:Merde! ;)

Luciana Cecchini disse...

Acho que estamos na gangorra, eu e vc: quando uma aparece, a outra some!

Bjo

Letícia disse...

Finally...

Vc demora a me visitar, mas quando aparece, traz ventania. Adoro seu jeito sincero de comentar. Não enfeita e diz tudo. Vc não precisa ensaiar - vc tem as falas na ponta da língua. Aparece mais e e eu apareço aqui tb... sem falta.

Com admiração e não clichê,

Letícia Palmeira

João Neto disse...

E esse papel te agrada? Tecle 1, caso agrade, e continue os ensaios, todos conseguimos quando queremos. Tecle 2, caso não agrade, e mande tudo às favas, toque fogo no mundo e enxugue as lágrimas.