quarta-feira, 28 de maio de 2008
not today
domingo, 25 de maio de 2008
De partida

-Então, quem foi que perdeu a capacidade de amar?
- Sim, confesso que fui eu. Não me culpe mais. Estou partindo.
- Vá, não vou chorar. Quero ver você partir.
E assim saí da casa dele. Da casa que tem um pedaço de nós em cada canto, mas que hoje é dele. Assim saí pela rua escura, onde um dia me sugeriram um encontro. Saí definitiva, com pensamentos tão claros que geométricos, tão definidos que redondos. Esbocei um sorriso quando olhei para trás e o vi parado na porta, ele me devolveu um olhar rancoroso de quem não perdoa.
Resolvi voltar ao hotel andando pela rua da praia. Ouvindo o mar e pensando em honestidade. Como dói, às vezes. A noite estava quente e não resisti quando vi e ouvi o barulho das ondas, resolvi me despir, deixar as roupas na areia e nadar. Não importa que fosse noite. O mar a noite dá mais medo mas e daí? Eu vinha sentindo tanto medo até então! Entrei e sentir aquela água gelada no corpo foi tão bom quanto abri uma janela ou destrancar uma porta. Nadei, nadei, nadei. Quando me dei conta estava longe, muito longe da praia. Havia realmente chegado ao fundo. Bati os pés imaginando um mundo marítimo todo diferente abaixo de mim. Foi quando lá ao longe vi um barco pequeno e parecia estar vindo em minha direção. Mas a imensidão do mar confunde a visão. E o barco era pequeno. Nadei ainda mais pro fundo, me distanciando cada vez mais da praia. Já estava muito longe mesmo, voltar dali seria difícil! Porque não me aventurar ainda no mais profundo do mar à noite? O risco estava assumido. Minhas pernas se movimentavam comemorando a resistência da água. Era como se uma obrigação estivesse sendo cumprida, vencer uma resistência. Meus braços nadavam rápido, sem dor, com vontade de chegar.
Quando olhei o barco estava mais perto. Parei de nadar e levantei os dois braços. Não quis arriscar ser pega por um barco naquele escuro. Fiquei mais alguns minutos com os braços para cima para que me vissem. Foi quando eu o vi! O dono do barco, que estava já tão perto que pude vê-lo, ele fez sinal de que também já tinha me visto. E ai, não sei dizer porque, eu comecei a nadar em direção ao barco, como se ele estivesse me esperando. Ele acenava. Ele quem? Oras, o dono do barco. A escuridão do mar me deu um pouco de tontura. Era só olhar para aquele barquinho se aproximando que me sentia melhor. Mais alguns minutos e ele estava ali ao meu lado. Estendeu o braço e perguntou se eu precisava de ajuda.
- Sim, nadei longe demais e não dá pra voltar daqui.
Ele jogou uma bóia, me apoiei, respirei melhor e esbocei um sorriso molhado pela ajuda inusitada. Lógico, eu no meio do mar, àquela hora da noite, depois de ter saído da casa dele, nado demais, perco o controle, e um barco vem me salvar. Tinha que sorrir. Ele sorriu também e ajudou a me içar para dentro do barco. Já lá dentro, olhei em volta. Era uma barco simples.
- Você e pescador?
- E você é nadadora?
- Sim, nadadora que espera ser pescada.
- E eu pescador que espera pescar nadadoras como você.
Demos risada. Ele me ofereceu um cobertor e me sugeriu que fosse tirar aquelas roupas molhadas. Desci num lugar que parecia o quartinho dele, tirei o jeans e fique embrulhada no cobertor só de camiseta e calcinha. Subi de novo. E ele me esperava com um copo na mão.
- Toma um gole disso, vai te esquentar o corpo.
Obedeci! Estava gelada. Quase tremendo de frio.
- Mas afinal, o que fazias nadando por essas bandas a essa hora?
- Ah, estava caminhando na rua da praia, não resisti ao mar e decidi nadar, só que vim longe demais.
- Pois é, ainda bem que estava aqui perto, caso contrário você poderia ter problemas em alto mar numa hora dessas.
- Eu sei, ok, você me salvou e é meu herói. O que quer agora? Fazer amor comigo.
- Não seria uma má idéia.
Rimos juntos. Parece que nos conhecíamos há tempos. Eu olhava para ele e meu coração, uma pedra que sempre foi, dizia a palavra confiança. E eu me deixei acreditar. Aquele homem me era familiar e eu podia acreditar nele, já estava acreditando.
- Está com fome?
- Um pouco.
- Pois tem peixe aqui, quer?
Aceitei na hora e comemos juntos, embrulhados num cobertor um pedaço de peixe gostoso, com um copo de cognaque cada um. Ele me contou há quantos dias estava no mar, eu contei pra ele que acabara de sair da casa do meu ex marido. Assim, naturalmente falamos de nós mesmos. Confiantes. Ele também me conhecia. Tinha essa impressão também. Sentamos bem próximos um do outro, talvez para nos esquentarmos, talvez para ficarmos próximos mesmo. Ele passou o braço em volta do meu corpo e eu sentia o calor dele e dos dois copos de cognaque que havia tomado. Estava me sentindo bem mas ainda pensando nos cds e nos livros que deixara para trás. Ele tentou um beijo. Eu retrai.
- Como você chama?
- José e você?-
- Lucia.
- Lúcia, vamos nos beijar?
Que aproximação tão ingênua. “vamos nos beijar”, mas eu achei lindo. Era isso que eu queria ouvir, queria compartilhar a vontade de um beijo. Queria que ele pedisse, que segurasse minha mão como estava segurando. Era isso. Ele me beijou com boca de cognaque, com cheiro de peixe, cabelos suados, blusa rasgada e botas de pescador. Nos beijamos mais e mais. Enquanto ele me beijava e o barco rumava no rumo que ia antes eu pensava que era aquilo mesmo que eu estava esperando. Uma delícia de beijo e nem precisou ser roubado. Mais cognaque e mais beijos. Mas posso dizer com segurança que o beijaria a noite inteira com ou sem nenhuma bebida. Ele segurava minha mão e me olhava bem nos olhos.
- Já te conheço, não conheço.
- Não sei, tenho essa mesma sensação. Tive assim que avistei seu barco de longe. Mas não sei.
- Não importa, nos conhecemos agora.
Voltamos a nos beijar e economizar palavras. Tudo estava tão lindo. A lua perfeita, o frio era desculpa e tanto para os abraços gostosos que estávamos trocando.
- O frio está apertando, quer ir para minha cama.
Eu gelei, de medo e não de frio. Mas eu queria. Como queria. Queria ir para a cama daquele homem que nunca tinha visto antes mas que tinha a sensação de ter sido mandando pra mim, no meio do mar.
- Vamos.
Ele pegou na minha mão e descemos uma escadinha estreita e chegamos num compartimento que tinha apenas uma cama, algo que parecia um banheiro e só. Ele ajeitou os lençóis e me deitou, e cobriu. Fechou a porta do compartimento e veio pra debaixo das cobertas comigo. Deitou e me abraçou. Disse coisas ao meu ouvido. Que eu era linda, mesmo perdida em alto mar àquela hora da noite.Que meu cheiro era bom, mesmo uma mistura de peixe, sal e cognaque, disse que minha boca era irresistível e que queria ficar abraçado ali comigo para todo o oceano. Eu não sabia como responder a tamanho romantismo. Não estava acostumada com isso. Mas com ele, isso era natural. Abracei-o com força e disse que queria ficar com ele ali também, por quanto tempo ele quisesse. E foi assim, em meio a declarações simples e honestas de um amor iniciante que fizemos amor. Durou horas. Brincamos de nos amar. Amamos de brincar. Ele me teve e eu o tive como nunca antes. Estava navegando por mares nunca antes navegados, literalmente. E a cada vez que fazíamos amor, ele me abraçava e me dizia o quanto eu era linda e o quanto ele estava feliz em me ter ali. Foi amor de amor. Fizemos amor de verdade. Calmo, singelo, rápido, veloz também. Amor que permite todas as formas que o espaço permitia. Nos amamos e eu chorei. Não agüentei, chorei. Ele ficou chocado ao ver minhas lágrimas.
- Me diga que são lágrimas de tesão.
- Não, são lágrimas de encontro. Lágrimas de quem procurava a si mesmo e parece ter achado.
- Você se achou comigo?
- Parece que sim.
- Eu também sinto que me achei com você. E olha que sai hoje achando que a pescaria seria ruim. Rimos mais uma vez.
- Fique tranqüila, você não precisa chorar, agora nos achamos e estamos juntos. Sem motivos para lágrimas.
E ele enxugava cada uma que caia dos meus olhos. E assim, dormimos. Dormimos profundamente, eu sonhei, ele me abraçou a noite inteira e posso dizer com segurança que foi a primeira noite na minha vida que gostei de dormir abraçada. A noite foi longa.Longa o suficiente pra descansar de tanto nadar, de novas descobertas de amor. Acordei ele não estava ao meu lado. Um medo devagar. Subi os degraus e lá estava ele, com um vazinho e um rosa artificial,um pedaço de chocolate e um bule café. Tudo arrumado em cima de uma caixa que servia de mesa.
- Desculpa, mas aqui não tem café da manha ou nada disso. Você se importa de comer chocolate com café.
- Lógico que não. Será uma delícia.
E comemos juntos nos beijando, como se fosse um café da manha continental. Ele matava minha fome e eu parecia matar a dele. Nos abraçamos, comemos mais chocolates, ele colocava o café na minha boca e a sensação que eu tinha era de que não conseguiríamos desgrudar mais, nunca mais. Logo que o chocolate acabou voltamos para cama e fizemos amor de dia. Coisa que há tempos não fazia. De dia ele era ainda mais bonito, mais sexy e eu estava desarrumada, começando a ficar tímida. Mas aí ouvia:- Como você é linda. Pesquei a sereia mais linda de todos os mares. E eu me sentia mesmo uma sereia nos braços dele. Passamos o dia ali, naquela cama minúscula misturando nossos corpos porque nossas almas já haviam sido misturadas em algum lugar no fundo do oceano.
Mas o dia estava acabando,escurecendo de novo. Estava chegando a hora de falarmos de nossas vidas. Ele perguntou onde eu morava. Eu disse que ali mesmo,na cidade, mas que no momento estava sem casa, já que deixara a casa para o meu ex. Ele disse que morava ali também , sozinho,numa casa cheia de verde e cheia de espaço. Carinhosamente me chamou para passar uns dias com ele. E tudo o que eu queria era ficar grudada naquele homem por uma eternidade. Sem vergonha ou receio disse que sim. Mas disse que precisava pegar ainda umas coisas na casa do meu ex. Uma mentiririnha. As coisas já estavam na casa de um outro amigo. Pois ele foi pra terra firme. Ficou no barco e eu disse que voltava em meia hora. Ele segurou minhas mãos como se eu não fosse voltar.
Corri, tomei um táxi e parei na casa do homem com quem havia casado, montado uma casa e vivido uma vida. Toquei a campanhia, ele atendeu com cara de sono e eu fui curta: - Só vim te dizer que não fui eu quem perdeu a capacidade de amar. Você sempre diz isso, mas perdemos a capacidade de nos amarmos e é só. E voltei para o cais. Onde meu amor me esperava.
Foto: Satanic 57 - diviantart
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Parada II
Foto: Jaccuse - Deviantart
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Parada
Naquele dia ela estava falando demais. Sobre tudo. Sobre a idade, como vinha se sentindo, como estava vendo as pessoas, como admirava o movimento do mundo à sua volta, sobre as roupas que andavam escolhendo para ela e tudo mais o que lhe vinha à cabeça.
E eu, sentada ao seu lado imóvel, o que mais poderia fazer? Ouvi a tudo, quietinha, assim concordando e quase pedindo para acabar logo. Mas eu tinha que respeitá-la, afinal ela era mais velha e estava há muito mais tempo ali do que eu podia imaginar.
Eu era novata no ramo. Tinha decidido parar de vez há alguns meses e aí surgiu essa oportunidade. Mais parada que isso impossível. Logo no primeiro dia me colocaram ao lado dela. Ela estava bonita, com um vestido preto, um cinto prateado, saltos altos e uma bolsa que deveria custar uma fortuna.
Assim que cheguei ao seu lado ela disse: “Novata hã? Vão te deixar com essas calças curtas ainda um tempo, depois começam a te colocar vestidos mais bonitos”. Entendi que ela sabia tudo do assunto, conhecia as pessoas do lugar e poderia me ajudar. Eu ainda estava insegura com a escolha. Afinal, ali, estaria parada mesmo. Agradeci a dica e fiquei lá com minha calça capri, blusa pink e uma rasteirinha. Minha roupa toda não somava o valor da bolsa que ela estava carregando.
A primeira noite foi horrível. Fecharam tudo. Cerraram os vidros, as persianas, foram todos embora e ficamos ali, só nos duas, vestidas daquela maneira e na mesma posição. Foi quando ela me disse que depois que todos vão embora a gente poderia se mexer. Mas pensei que ficaria parecendo filme se nos mexessemos. E fiquei na posição que tinham me colocado. Ela deitou, descansou, acho até que a ouvi roncando. Mas eu fiquei ali, hirta, dura, imóvel, como era a proposta. Estar verdadeiramente parada.
No dia seguinte, ela já estava desperta bem antes de tudo se abrir. Arrumou-se, reaprumou-se e ficou ali, na posição que deveria estar. Dava pra perceber que era uma profissional experiente. Eu estava marcando touca se não pedisse dicas.
- E ai? Não dormiu nada a noite agora vai ficar cansada o dia todo.
- É verdade, essa noite vou fazer como você.
- Ah, decidiu seguir a voz da experiência não é?
Dava para perceber na minha cara que não tinha experiência alguma, que estava insegura e morrendo de medo. Não chegara ali numa boa situação. Viera mais por falta de opção. Queria parar e não me deixavam, então parei profissionalmente. Parar era uma obrigação diária. E também porque ali eu não precisava pagar aluguel, ter carro, namorado, nada! Só estar bastava.
Ela me perguntou da minha família. Antes de responder, perguntei da dela. E acho que para me ajudar a quebrar o gelo ela respondeu.
- Ah, já esqueceram de mim há muito tempo. Ás vezes um sobrinho passa aqui na porta e se lembra de mim, mas nunca tentaram me levar de volta, então acabei ficando. Cada hora colocam alguém novo por aqui, acabo fazendo amizade e não me sinto sozinha.
- Mas e namorado, marido, você não tinha?
- Não! Mas às vezes colocam alguém masculino ai, no seu lugar, e ai eu trato de me divertir um pouquinho.
Fiquei imaginando a cena e comecei a achar que tinha cometido um erro muito grande ao aceitar essa tarefa. Imagina que cena louca ela se divertindo com alguém quando tudo fechava.
Quanto tempo será que me deixariam ali, naquele mesmo lugar? Quando será que trocariam minha roupa? Será que trocariam de dia, para quem passasse me ver nua? Estava começando a sentir medo de verdade. E já eram quase dez da manhã quando o movimento aumentou. Muitas pessoas paravam à nossa frente, apontavam pra nós, olhavam o preço anotado abaixo. Umas entravam, outras não. A coisa estava ficando real. Era aquilo. Eu passaria o dia sendo olhada, observada. Ela estava bem com aquilo. Cada vez que o movimento acalmava, ela conversava, perguntava algo de mim, da minha vida. Eu não estava com vontade de conversar, estava apavorada, mas não podia rejeitá-la. Era minha única companhia. Era a única pessoa que poderia me dizer o que fazer na hora em que o desespero batesse, e eu sabia que bateria.
Como disse, naquele dia ela falou muito. Muito mesmo. E enquanto eu ouvia, pensava. Pensava que um dia estaria como ela, esperando uma companhia nova chegar para contar-lhe sobre minha vida. Contaria com um ouvido imóvel para me dar um pouco de atenção. Sou rápida nas decisões. Decidi que não ficaria mais ali.
Olhei bem pra ela, sem me importar com as pessoas que passavam. Ela entendeu meu olhar e piscou. Senti que aprovava a minha decisão. Me mexi toda, cada pedaçinho do meu corpo e foi como mágica, voltei a normal, rindo e chorando ao mesmo tempo. Não era mais manequim. Sairia dali para parar em outro lugar. Mas sairia correndo. E para uma noite que estava apenas começando.
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Uma foto, um peixe
domingo, 4 de maio de 2008
Foi
Fiquei por alguns minutos olhando ele partir. Olhar o partir é uma obra de arte para quem consegue. É um dom de quem enfrenta e começa a superar. Não, espera, é mais: é esperança. Não da volta, mas do recomeço. Um vai, outro pode ou não vir, mas estou aqui.
Fiquei sentada no banco até ele virar um pontinho laranja distante, que já não me ouviria se eu gritasse. E eu não gritaria. Não sou do tipo que grita. Não sou do tipo que sai correndo. Aliás, quando corro é de mim mesma. E foi só quando já não podia vê-lo que decidi olhar para frente. A tarde estava chuvosa, nublada. Tardes assim são tristes, eu sei, mas eu gosto. Gosto do cinza, é um silêncio de alma que o sol nem sempre permite e era de silêncio que precisa me encher agora.
Não pensei mais nele, já era história, história contada e recontada, história vista e revista, tentada, acertada, errada e finalizada. Era, enfim, história. E história, escrevo eu. Escolho meus personagens e não tenho controle sobre eles, por isso as surpresas das despedidas.