segunda-feira, 19 de maio de 2008

Parada II


Entrei no táxi. Com a roupa de vitrine que estava usando. Cheguei a rir sozinha. Não tinha como ficar mais nem um minuto ali, parada. “Há muito o que fazer antes de parar de novo”, pensei. E no mesmo instante senti saudade e dó dela, que ficou lá parada. Corri até onde vi um táxi. Entrei e Pedi para que me levasse ao circo. Ele me perguntou qual. Eu disse a qualquer um que ele conhecesse. Em dez minutos estávamos no circo. Foi só quando ele parou e disse
- Vinte reais - que me dei conta de a roupa da vitrine não incluia bolsa e nos bolsos não havia dinheiro algum. Olhei para ele com cara de desesperada.
- Vai me dizer que a mocinha não tem dinheiro?
- Obrigado pela mocinha, mas não tenho mesmo não. Esqueci disso quando pedi pro senhor me trazer.
- E o que quer que eu faça agora? Você acha que estou podendo fazer corrida de graça?
- O senhor me desculpa.
- Desculpa nada, vai arrumar um jeito de me pagar.
- O senhor desce comigo então que tem um amigo que trabalha nesse circo e ele vai pagar o senhor.
- Mas você nem sabia em que circo queria vir. Como tem um amigo aqui?
- Olha só, o senhor não tem escolha, ou desce acreditando em mim ou vai embora sem o dinheiro.
- Ok.
Eu não tinha menor idéia de como iria me livrar dele. A verdade era que eu não conhecia ninguém no circo e não tinha um tostão comigo. Sair correndo era uma boa opção. Seria a segunda corrida da noite, mas e se ele tivesse armado? Imagina só sair da vitrine, pegar um táxi, ir pra o circo e morrer com um tiro nas costas? Muito cinema pro meu estilo. Esperei que ele fechasse o carro, e fomos andando, lado a lado com uma pequena multidão para comprar os ingressos. Quando chegamos à bilheteria o taxista olhou bem pra mim e perguntou:
- Não vai mandar chamar seu amigo.
- Moço, é o seguinte, meu amigo trabalha nos bastidores, não vai poder sair agora, vamos ter entrar e aí sim eu procuro por ele.
- Quer dizer que vou ter que pagar pela entrada do circo também?
- Infelizmente. E eu sinto muito pelo transtorno que estou lhe causando. A expressão do homem era realmente de ódio. Ele deveria estar se achando um idiota. Entramos e quase pedi para ele comprar uma pipoca de tão forte que estava o cheiro. Mas minha cara de pau tem limites. Sentamos bem perto do picadeiro, pura sorte! Eu estava me sentindo feliz, podia me ver sorrindo. Estava leve, com vontade de me divertir, de ver as pessoas se divertindo de ser livre, de respirar longo. Olhei para o taxista e reparei que, no fundo ele também estava um tanto encantado com todo aquele barulho do circo. Uma voz anunciava:
- O maior espetáculo da Terra vai começar em alguns minutos, senhoras e senhores. Preparem-se. O taxista, que parecia até então ter esquecido do que eu aprontara me perguntou:
- Não vai procurar seu amigo?
- Meu senhor, agora não posso. Só quando acabar o espetáculo, concorda? Ele já estava perdendo a paciência e com certeza a esperança de receber também.
- Menina, eu vou ter que assistir o espetáculo todo, perder todo esse tempo que deveria estar trabalhando para receber uma corrida de vinte reais?
-O senhor poderia ter deixado o taxímetro rodando, pagaria o senhor por tudo.
- Esse seu amigo do circo deve ganhar bem mesmo, hã? Percebi uma pontadinha de bom humor no pobre homem e disse:
- Mas já que o senhor está aqui, porque não se diverte. Depois lhe pago.
- É, se não tem outro jeito. Você quer uma pipoca? Não acreditei que tão rapidamente ele se entregasse assim à gentileza.
- Sim, obrigado, estava sem jeito de pedir. Ele foi ao pipoqueiro e voltou com pipoca para ele e para mim. Sentou ao meu lado e apresentação começou. A primeira atração foi o malabarista. Cheio de bolas e garrafas mostrava que a Lei da gravidade é mesmo nada para quem quer ser atração. Lindo. O taxista comia a pipoca com os olhos grudados nas garrafas que subiam e desciam. Seus olhos acompanhavam o malabarismo do homem. Se eu estivesse esperando um momento para fugir, aquele seria o certo. Mas não era isso. Estava me divertindo muito. E a pipoca estava fresquinha.
Quando a apresentação do malabarista acabou o taxista virou os olhos para mim e perguntou se eu não podia ir procurar meu amigo agora. Mas foi bem nessa hora que o Palhaço Pingolim entrou no picadeiro. Ah, que delícia são os palhaços. O homem olhou para frente e esqueceu de tudo. Rimos à vontade, risadas grandes, gordas, rimos como crianças, rimos, como só quem assiste um palhaço pode rir. Suspensório, chapéu colorido, nariz de palhaço, com direito à calças caindo, nariz espirrando água nas crianças da platéia e tudo mais. O taxista olhou para mim e sorriu, como me agradecesse pela noite que estava tendo.
Cama elástica, acrobacia aérea, elefantes, globo da morte com 5 motos. Tudo, tudo a que se tem direito numa noite divertida no circo. A apresentação durou quase duas horas e nessas alturas o taxista já estava mais calmo e parecia se divertir ainda mais que eu. Eu estava muito alegre, uma alegria de quem saiu correndo da vitrine, uma alegria de quem só tem uma roupa no corpo, uma alegria de quem não tem bolsa ou bolsos. Uma alegria só minha, que nem a conta do táxi poderia me roubar. Uma alegria dessas que não se rouba. Não sou uma pessoa má e não gosto de ser desonesta com os outros, mas eu não tinha escolha, tinha que dar um jeito de fugir sem pagar pelo táxi, já que não tinha nenhum amigo no circo e não tinha previsão de fazer uma amizade que me pagasse tal conta assim tão rápido.
Quando vi que o homem estava com os olhos grudados nas motos, levantei e fui andando devagarzinho em direção à saída. Quando estava para sair, olhei para trás. Talvez consciência pesada, talvez pensando em voltar e pedir desculpas. Mas o que? Ele estava bem atrás de mim. Virei pra ele e disse: - O senhor me desculpa mesmo, não tenho amigo algum aqui que vai pagar a conta, não tenho dinheiro e queria muito vir ao circo. Mas até que o senhor se divertiu não foi? Quando vi a cara de ódio do homem não esperei pela resposta, saí correndo mais uma vez. Mais uma vez para uma noite que apenas começava.


Foto: Jaccuse - Deviantart

9 comentários:

Beto Mathos disse...

Assim, vou parar de respirar.
De novo, surpreendente!
Beijão!

Assim que sou disse...

Cara...fui lendo e tomando-me de um delicioso sorriso. Porque não há sorriso mais delicioso do que aquele que encanta tal qual espetáculo de circo. Tem um quê de sedução, uma dose de esperança, um suspiro de alegria.
Deliciosa história que já ganhou vida própria, não é? Da vitrine...para onde você quiser. Eu estarei por aqui conferindo.

bjs. Veronica

Cla disse...

Muito bom!Me deu vontade de ir ao circo! hehe
=)

Juliana Farina disse...

Muito obrigada!
Seja muito bem vinda!
Sempre que quiser visitar, será muito bem recebida.

Adorei seu blog tbm!
Tem força, conteúdo, fotos marcantes.
Gosto de coisas que chocam!

Um beijo
Fique em Paz!

O Profeta disse...

Solta nota de uma flauta
Um retrato preso à mão
Um tambor fora do compasso
Segue o bater de coração


Convido-te a partilhar as emoções
Deixadas pelos ponteiros de um relógio…


Boa semana


Mágico beijo

Joice Worm disse...

Que cara de pau. Mas tenho certeza que o taxista adorou!

Narradora disse...

Muito legal essa continuação.
Tem mais? (diz que tem...)
Bjs

Friendlyone disse...

Excelente.

Ficou parecendo que tem parte III.

Será???

Beijos.

Letícia disse...

Camilla,

Não sei se você lê seus textos depois que escreve. Eu leio os meus só pra ver se tem erro e como sou míope, sempre encontro. Falo dos seus porque você cria umas frases que sempre soltam uma verdade. Ela está bem no início - quase escondida, mas tá gritando...

"Há muito o que fazer antes de parar de novo."

(Camilla Tebet)

Um texto do cotidiando que traz simbologia de nossa geração. Seus textos sempre me falam algo assim.

Letícia

E tem mais... Adoro circos.