terça-feira, 23 de novembro de 2010

Não se vive tão intensamente


Era tarde de quarta feira e ela não gostava do meio da semana. Meio de semana é como bolo sem açúcar, vodca sem limão. Meio da semana é uma chatice. Saiu para andar, coisa que não fazia com muita assiduidade, pois não gostava da cidade em que morava. Mas isso já não importava mais, estava de mudança. Em breve não andaria mais essas ruas.
Mas nessa quarta feira andou. Pensando em tudo, como se estivesse partindo naquele dia e tivesse que se despedir. Um lamento talvez. Sim, porque mesmo quando a partida é voluntária, há sempre um lamento. Alguma coisa deixada sem viver. Mas é impossível não ser assim. Não vejo outro jeito. Mais hora, menos hora, temos que partir de algum lugar para outro e não vamos ter vivido tudo. Não se vive tão intensamente.
Tem também os que ficam parados. Mas isso é chato, esses já perderam toda a parte boa. Enfim, ela gostaria que aquela tarde fosse de outono, que são conhecidamente as tardes mais bonitas.
Mas não era! Verão naquela cidade era um inferno. Ela se sentia um pouco no meio do inferno, ou melhor, é como se o inferno estivesse um pouco dentro dela.
Um barulho lhe chamou a atenção, era uma batida de carro bem na esquina que já atravessara. Triste sair para caminhar e ver uma batida de carro. Gostaria de que cada vez que sentisse vontade de andar, a cidade se esvaziasse e as ruas ficassem só para ela. Para não ter que olhar, sorrir, botar reparo no sapato.
Quando era criança ia muito à missa, levada pelos pais , a quem hoje não sabe porque mas chama de híbridos. Óbvio que não prestava atenção ao sermão, mas sim no sapato das pessoas que iam entrando e sentando . E depois todos sentados, ela prestava atenção no cabelo das mulheres sentadas de costas para ela. Quando via o tempo já tinha passado e chegara aquela hora chata da missa onde se diz “Paz de Cristo”, e ter que dar a mão para algum desconhecido, adulto e que lhe botava medo.
O medo estava todo nela, assim como o inferno. Os homens da missa não deveriam ser perigosos, assim como as pessoas que encontra nos seus passeios também não.

5 comentários:

Luze Azevedo disse...

ieba!!! ela voltou!
obrigado por oferecer-me letras, palavras, orações... textos que me fazem sonhar, chorar, por ti rezar e te amar!

Letícia Palmeira disse...

Fiquei feliz quando vi a atualização. \o/

Bom demais ler tua prosa de cotidiano. E demarquei teu texto com um trecho que é bem forte e real.

"Mesmo quando a partida é voluntária há sempre um lamento."

É uma verdade. E eu fazia isso na missa. Eu olhava os cabelos das mulheres e os sapatos também.

Bjo.

JULIANA disse...

Amey Camilla esse nem foi tão macabro! bom ver vc leve!

Branca disse...

Que boom que voltou. Fez muita falta.
Bjs

Luciana Cecchini disse...

mesmo quando a partida 'e voluntária, ha um lamento. Sem duvida. Seu realismo sempre pontua o surreal. Gosto e me identifico muito com seu "universo particular". Sempre! Bjos