sábado, 11 de dezembro de 2010

O primeiro trago...


Até acender aquele cigarro ele poderia dizer que havia tido um bom dia. Mas aconteceu de acender. Saiu do trabalho mais cedo. Realizado havia fechado um negócio que sentia muita vontade de fazer. Decidiu caminhar um pouco, sentir o vento da tarde. Caminhou entre as pessoas sentindo que era uma pessoa de sorte. E sorte, como ele diz, é pra poucos. A maioria vive sem ter prazer no que faz e isso arruína a vida de uma pessoa. Ele não! Fazia exatamente aquilo que lhe dava prazer, acordava animado pensando que passaria o dia no escritório. Ainda é solteiro, mas sabe que mais cedo, mais tarde, acaba fazendo um bom casamento. Sim, afinal é um bom partido, tem um emprego, casa própria, viajado. Não demorará a encontrar alguém compatível. Seus pais moram em uma cidade do interior. Por falta de tempo pouco os vê. Nos finais de semana leva trabalho para casa e sai para tomar um chope com os amigos do trabalho.
Caminhou, caminhou pensando nessas coisas . Decidiu sentar numa mesinha de café, na rua, para ver as pessoas passarem e confirmar a cada passo alheio o quanto os seus eram de sucesso. Parara de fumar há seis meses. Mas há algumas semana vinha sentindo muita vontade de voltar. Pediu um expresso curto e um maço de Free. Segurou o cigarro entre os dedos por muito tempo antes de ter coragem de acendê-lo. Ter parado de fumar era mais um traço de seu sucesso e não sabia se estava pronto para deixar isso passar. Fazer uma exceção?
O primeiro gole de café o excitou para o cigarro. Acendeu e foi na primeira tragada que sucessivas ondas de calor e frio tomaram conta do seu corpo. Pensou que fosse tontura do primeiro cigarro depois de tanto tempo. Mas não era. Fumou o cigarro todo e as ondas continuaram. Então pediu outro café e acendeu mais um. As ondas agora estavam em sua cabeça. Mas não eram ondas simples essas. Traziam-lhe lembranças, arrependimentos, vontades escondidas. Estava sentindo-se muito diferente do homem resoluto que sentara-se ali a pouco. Não sabia mais nada.
Foi ao banheiro jogar um água na face. Não se reconheceu ao espelho, não era mais o mesmo. De onde saíram essas rugas? E esse cabelo bem curtinho? Gostava tanto de cabelo mais comprido. Preferiu não olhar mais e voltou para a mesa.
Sentou-se, submetendo à cadeira todo o seu peso, jurando a ela que ficaria ali por bastante tempo. Até saber o que estava acontecendo. Pensou nos pais. Pensou em agora mesmo pegar o carro e ir até a casa dos pais, de surpresa. Mas desistiu. Pensou na Laura, com quem terminara há um ano. Dizia que ela não tinha ambição. Pensou em correr para casa de Laura. Pensou que não teve filhos, apesar de já ter passado dos 35. Pensou em agora mesmo engravidar uma mulher, ou duas talvez, para em nove meses ver o milagre da vida acontecer.
Pensou no seu chefe. Sim, sentia-se reconhecido, mas trabalhava como um louco.E a maior parte dos créditos ficava mesmo era para aquele canalha. Pensou em correr para uma praia, sem notebook ou celular e ficar com os pés na areia até cansar. Pensou nos livros que queria ter lido ,mas o tempo escasso não tinha deixado. Quase correu para livraria ao lado para comprar pelo menos 10, sentar e ler até eles acabarem.
Há quanto tempo não ia ao cinema? Pensou em descobrir alguma mostra de cinema internacional e assisti-la inteira. E um porre?? Ah, isso fazia muito tempo. Pena que o Café onde sentara não tinha bebida alcoolica. Mas passaria no supermercado comprar vinho ao sair de lá.
Lembrou da Road Trip pelos Estados Unidos que seus amigos de faculdade fizeram no ano passado. Ele havia sido convidado. Mas pensou que road trip não era mais para sua idade. E não foi. Ficou trabalhando. Lembrou também do colchão de água que sempre quis e nunca teve coragem de comprar.
Um cigarro atrás do outro e ele percebia que sua vida não era tão boa sim. Que seu dia havia sido sim, uma merda. Será que ainda dava tempo de fazer tudo isso? E rápido?
As ondas começaram a passar e ele se sentiu melhor. Sem o menor sinal de vergonha ou consciência, fumou o último cigarro do maço. Levantou e pensou: tenho que parar de fumar.
Voltou para casa sem o vinho.

8 comentários:

Thais Souza disse...

ADOREI!!!
Não é incomum chegar a determinada hora do dia/vida em que paramos pra pensar no que está feito, no que nunca fizemos mas que temos vontade de fazer...
Tão comum essa mudança de humor, que nos pertuba e ao mesmo tempo nos promove satisfação com a vida.
Adorei a figura do cigarro! =D
Ja estou te seguindo.

Alexandre Henrique disse...

Adorei o conto Camilla, a forma que você deselhinhou o personagem sobre o vício foi impressionante... muito emotivo este texto. Grande escritora, é bom voltar aqui.
Abraços Camilla tudo de bom.

Fabio Só disse...

Que grata surpresa a Juliana me apresentar seu blog. Gostei muito do escrito. Impossível - para mim - ler sem fazer paralelo com a própria vida. Enfim, também tomo meu café e também volto para a casa sem vinho, às vezes.
Obrigado.

Pê Sousa disse...

Se não fosse tão ruim para a saúde, diria que estaria seduzido a acender um...

Belo recorte.
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Abraços.

Tiago Fabris Rendelli disse...

Gostei.

T.

Alexandre Henrique disse...

Tou com saudades de sua boa escrita Camilla.

ANDERSON MENEZES disse...

bem interessante, pela proeza com a condução das palavras deslizes riscos e sultileza

JULIANA disse...

hahahahaha o que um cigarrinho não faz heim?